(Ef 2:1–3; Rm 3:10–12) -
Toda religião e filosofia humana no mundo, exceto o Cristianismo bíblico, têm sustentado que o homem é basicamente bom e
aperfeiçoável através de seus próprios esforços. O filósofo Inglês do século
dezessete John Locke (1632–1704) acreditava que o homem nascia como
uma lousa em branco (“tabula rasa”) de inocência. Jean Jacques Rousseau
(1712–1778), o filósofo francês do século dezoito, acreditava que o homem
era bom, assim iniciando a filosofia humanista que coloca o homem antes de Deus. Ele disse, “o Homem nasce bom e a sociedade o corrompe”. O Islamismo ensina que todos são nascidos puros (de “musselina” - tecido leve
e um pouco transparente, que serve para vestuário) e naturalmente bons até
que sejam desviados pelo ambiente. O Homem é visto como aperfeiçoável
através do ser corretamente guiado e lembrado da unidade de Alá.
Contudo, apenas através da revelação de Deus, como encontrada na Bíblia, é que podemos entender a total depravação do homem, que mostra
ser ele totalmente incapaz de salvar a si próprio ou de fazer qualquer obra
meritoriamente boa com respeito à sua salvação. Essa é uma verdade
redescoberta na Bíblia durante a Reforma que transformou a Europa no século dezesseis e tem impactado o mundo desde então. Infelizmente, nos tempos modernos, os ensinamentos prejudiciais do Arminianismo têm tido um papel predominante na maioria das igrejas protestantes, na medida em
que estas se tornam mais antropocêntricas que teocêntricas. Esses ensinamentos foram largamente popularizados através do movimento Wesleyano e dos acampamentos reavivalistas da América do século
dezenove por pregadores como Charles Finney. Que, por sua vez, influenciaram as denominações e sociedades missionárias que enviaram missionários para fundar igrejas protestantes ao redor do mundo.
Então, com a ascensão da teologia liberal, a pecaminosidade do homem foi minimizada, enquanto pensava-se que o progresso social, a educação e o desenvolvimento do potencial humano fossem trazer uma sociedade ainda mais progressista de amor, justiça, igualdade e fraternidade.
Com as grandes guerras do século vinte e a horrenda destruição e morte devido às lutas entre as chamadas nações “cristãs”, essa aspiração desapareceu em larga escala.
Apesar disso, as pessoas continuaram a pensar que poderiam prosseguir pelas suas próprias forças, apenas com uma pequena ajuda de Deus no caminho. Na teologia da libertação, popular na América Latina, foi
adotada uma visão marxista da sociedade. Sob esse ponto de vista, o homem
não é visto como totalmente corrompido pelo pecado, mas como um povo que fora oprimido economicamente. A isto é atribuída a corrupção e o pecado estrutural na sociedade. Pela liberação dos mestres opressores, as
pessoas estariam livres para desenvolver a si mesmas e a transformar a sociedade existente numa sociedade de igualdade e justiça. O que ocorre inevitavelmente é que, quando os oprimidos chegam a uma posição de
poder, eles se tornam também opressores. Isso porque o coração humano não foi transformado apenas através de uma mudança na dinâmica social.
Mas, graças a Deus, está ocorrendo uma mudança nessa maré nas igrejas que buscam ser fiéis às Escrituras de acordo com um entendimento do evangelho como totalmente obra de um Deus soberano. A Bíblia
claramente nos diz que o homem não tem nada a contribuir para a sua
salvação. Ela é um dádiva de Deus (Efésios 2:8, 9).
I. Contexto Histórico
Em 1619, um grupo de teólogos publicou um documento com cinco capítulos que fora escrito em resposta a cinco pontos de protesto de discípulos de um professor de seminário na Holanda chamado Tiago
Armínio (1560–1609). Um Sínodo nacional foi chamado para responder a Representação (protesto). Oitenta e quatro membros e 18 comissários seculares vieram, não só da Holanda, mas da Alemanha, Bavária, Suíça e
Inglaterra. Eles se reuniram por sete meses e formularam o que ficou conhecido como os Cinco Pontos do Calvinismo, em homenagem ao reformador João Calvino (1509–1564), o qual expusera essas doutrinas no século anterior. O sínodo restabeleceu todas as doutrinas que haviam sido sustentadas por praticamente todos os reformadores e pelo Pai da Igreja Agostinho de Hipona (354–430 D.C.), mil e duzentos anos antes.
Os líderes da Reforma do século dezesseis eram da mesma opinião de Agostinho no sentido de que o homem é totalmente depravado e arruinado em seu estado natural separado da Graça de Deus. Todos os reformadores dos primórdios eram unânimes em sua visão de que o homem era
completamente impotente em seu estado de pecado e totalmente dependente da soberania de Deus para a salvação. O ponto para os
reformadores não era apenas se Deus era o autor da justificação, mas de fé.
A questão em tela era até onde o Cristianismo era um relacionamento com Deus que dependia unicamente de Deus para a salvação e tudo mais, ou de nossa auto-confiança e auto-esforço. Crítico para a determinação da resposta a essa questão era ter um correto entendimento da natureza do homem e de
sua capacidade ou carência decorrente dessa condição. Assim, o primeiro ponto dos líderes da igreja que se encontraram no Sínodo de Dort na Holanda em 1618–1619 para responder aos Arminianos era relativo ao
pecado e seus efeitos na natureza humana. Essa doutrina é determinante para as doutrinas seguintes. Uma vez que todos os cinco pontos do calvinismo são realmente inseparáveis. Todos eles ensinam que Deus salva pecadores. Pecadores não salvam a si próprios de nenhuma forma, nem
dividem a glória da salvação com Deus. A Ele apenas seja toda glória. Amém.
II. Morte em Pecado
Assim que Paulo começa a explicar para os efésios os passos pelos quais Deus irá cumprir o Seu propósito de salvar Seus eleitos, ele lembra a eles do estado em que se encontravam antes de serem feitos vivos em Cristo pela sua graça. “Estando vós mortos nos vossos delitos e pecados...” (Efésios 2:1). Paulo está falando aqui de nosso estado espiritual antes de sermos nascidos de novo. A fim de nos tornarmos vivos, saindo da morte
no pecado, devemos nascer dos céus pelo Espírito de Deus, através da lavagem pela Palavra de Deus (João 3:5; 1 Coríntios 6:11; Efésios 5:26).
Nossa condição de morte espiritual é o que herdamos dos nossos primeiros pais, Adão e Eva. Deus os criou retos e bons, com um
relacionamento correto com Ele. No Jardim do Éden, Deus plantou a árvore do conhecimento do bem e do mal e ordenou ao homem, “De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gênesis 2:16, 17). Adão e Eva intencionalmente desobedeceram o SENHOR e comeram da árvore. Depois de serem enganados por Satanás e comerem do fruto proibido, eles caíram de seu caminho com Deus em
morte espiritual, e, conseqüentemente, morte física.
Adão era o líder federal ou representativo para toda a raça humana.
Sua queda em pecado significou que toda a sua posteridade iria herdar uma natureza pecaminosa. Isso pode ser comparado a quando um jogador de futebol (americano) sai de campo, todo o time é penalizado. O pecado singular de Adão penalizou toda a humanidade. Paulo explica aos romanos
como isso aconteceu. “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram...” (Romanos 5:12).
Pode-se comparar o pecado de Adão para a raça humana a como alguém colocando
veneno em um recipiente de água pura. Daquele momento em diante, toda porção da água se tornou venenosa de forma que é impossível obter até mesmo uma pequena porção de água pura do recipiente. Similarmente, o ato singular do pecado de Adão poluiu a corrente sangüínea da raça humana com o pecado desde o momento da concepção.
Essa verdade fica evidente através das Escrituras. O rei Davi confessou a Deus após ser confrontado pelo seu adultério dizendo, “Eu nasci na iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe” (Salmos 51:5).
Sua natureza pecaminosa vinha do que ele era e havia sido desde o nascimento. Davi também expressa isso no Salmo 58 “Desviam-se os
ímpios desde a sua concepção; nascem e já se desencaminham, proferindomentiras.” (Salmos 58:3). Jó (14:4) e seus dois amigos Elifaz e Bildade (25:4–6) expressam que o homem não é puro. Elifaz diz “Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce de mulher, para ser justo? Eis que Deus não confia nem nos seus santos; nem os céus são puros aos seus olhos, quanto menos o homem, que é abominável e corrupto, que bebe a iniqüidade como a água!” (Jó 15:14–16). Paulo diz mais na passagem de Efésios 2 “e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais” (Efésios 2:3). Em outras palavras, nossa condição espiritual não decorre do
que fizemos, mas decorre do que somos naturalmente, desde o nascimento.
Isso significa que a única maneira de escaparmos da condição de morte espiritual em que nos encontramos é que Deus se curve em misericórdia e radicalmente nos transforme, através de um novo nascimento. Jesus disse ao líder religioso Nicodemos “Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no
reino de Deus. O que é nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te admires de eu te dizer: importa-vos nascer de novo” (João 3:5-7). Anteriormente João aponta que aqueles que acreditam
no nome de Jesus “deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (João 1:12,
13). Em outras palavras, essa transformação em uma vida nova ocorre somente pelo poder e vontade de Deus.
Entre aqueles que sustentavam uma posição arminiana, incluindo católicos romanos e ortodoxos, eles viam o homem como uma pessoa se afogando no mar. Ele está batendo seus braços e pernas, tentando manter
sua cabeça fora d’água. Ele precisa de ajuda; seus pulmões estão se enchendo de água, mas ele ainda está vivo e capaz de fazer algo para ajudar a si mesmo. Jesus aparece em um bote e joga ao homem afogando um salva-
vidas. O homem alcança e segura o salva-vidas por sua própria fé e força.
Então, Jesus o puxa seguramente para o bote, que segue para a vida eterna.
Os calvinistas bíblicos vêem o homem estando totalmente afogado e morto no fundo do mais profundo oceano. Ele tem um coração petrificado, feito de pedra. Ele não pode ver Jesus vindo para salvá-lo porque ele está
morto e totalmente cego para essa dimensão espiritual. Assim como Jesus chamou Lázaro para se levantar da sepultura após estar morto por quatro dias, da mesma forma ele dá nova vida para nossos pútridos corpos mortos.
Em Seu grande amor e misericórdia Ele nos chama para uma ressurreição em que nós ouvimos Sua voz porque fomos levantados para a vida, apesar de antes estarmos mortos. Então, nós não podemos dizer que tivemos
qualquer parte em nossa salvação, mas que ela foi totalmente de Deus. Pois somente Deus salva os pecadores. Como Paulo explica aos colossenses “E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões e pela incircuncisão da vossa carne, vos deu vida juntamente com ele, perdoando todos os nossos delitos” (Colossenses 2:13).
III. Escravos do Pecado
Tendo nascido com uma natureza pecaminosa, nós continuamente
possuímos uma tendência a ter pensamentos maus, falar palavras más e ter atitudes más. Na realidade, isto é tudo o que temos capacidade de fazer aos olhos de Deus, porque nós somos escravos do pecado e cativos do poder de Satanás. Não é que ninguém faça boas obras. Todos nós fazemos obras relativamente boas. Até mesmo o pior criminoso que possamos imaginar
poderá fazer algumas obras relativamente boas. Ele pode amar sua mãe e dar
doces para as crianças vizinhas. O chefe local da máfia pode auferir milhões de dólares do tráfico de drogas em uma vizinhança pobre levando à ruína várias famílias e à morte de várias pessoas. Contudo, quando ele dá perus de graça na época do Dia de Ações de Graça para famílias em albergues ele é
louvado e suas boas ações são publicadas nos jornais locais.
Qualquer boa obra que fazemos é, na realidade, obra pecaminosa perante Deus a menos que nós as façamos com a correta motivação de darmos glória a Deus e não ao nosso próprio orgulho. Como Isaías diz
“Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças, como trapo da imundícia; todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniqüidades, como um vento, nos arrebatam” (Isaías 64:6). Deus está
dizendo que nossas boas obras são como trapos manchados pela sujeira da
menstruação de uma mulher. O Catecismo de Heidelberg dá uma boa definição para “boas obras”: Somente aquelas que são feitas através da verdadeira fé, de acordo com a lei de Deus e para a Sua glória” (Resposta
91). Edwin Palmer explica isso dizendo “De acordo com o Catecismo, três elementos são necessários para se fazer verdadeiras boas obras: fé verdadeira, obediência à lei de Deus e motivo apropriado. Uma obra relativamente boa, por outro lado, pode ter a correta aparência externa, mas não ser executada através de fé verdadeira ou para a glória de Deus. Assim, não-cristãos podem executar ações relativamente boas, apesar de eles
mesmos estarem totalmente em depravação”.
Total depravação não quer dizer que nós somos tão perversos quanto possível. Ninguém pode pecar todo o pecado que seria possível. Jesus reconheceu que mesmo os perversos podem fazer o bem, quando disse “Se fizerdes o bem aos que vos fazem o bem, qual é a vossa recompensa? Até os
pecadores fazem isso” (Lucas 6:33). É através da graça comum de Deus que Ele restringe a maldade em todos (2 Tessalonicenses 2:7) e possibilita que eles possam fazer o bem relativo. Mas mesmo o incrédulo reconhece a
pecaminosidade do homem. “Um velho provérbio chinês afirma: ‘Existem
dois homens bons – um está morto e o outro ainda não nasceu’”.
Paulo relembra os cristãos efésios de sua condição anterior dizendo “nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da
desobediência” (Efésios 2:2).Ele está dizendo que eles estavam vivendo nas garras de Satanás, no controle de suas vidas. Jesus disse aos judeus que se opunham a ele “Em verdade, em verdade vos digo: todo o que comete pecado é escravo do pecado” (João 8:34). E Ele continuou dizendo “Vós
sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos.” (João 8:44). Aqueles escravizados pelo pecado estão sob o controle de Satanás.
Essa é a condição de cada um de nós antes de reconhecermos Cristo como Senhor pela fé. Como a epístola de João diz “Sabemos que somos de Deus e que o mundo inteiro jaz no Maligno” (1 João 5:19).
IV. Objetos da Ira de Deus
Nosso pecado não é algo com que Deus “pega leve”. Não, nosso
Deus é um Deus santo que não pode simplesmente olhar sobre o pecado ou
tê-lo em Sua presença. Como o profeta Habacuque diz, “Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal e a opressão não podes contemplar; por que, pois, toleras os que procedem perfidamente...” (Habacuque 1:13). Sendo um Deus de justiça, o pecado deve ser punido. Todos nós merecemos ir para o
inferno. Paulo explica como os cristãos efésios viviam “entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza,
filhos da ira, como também osdemais” (Efésios 2:3). A ira de Deus é contra nós até mesmo pela nossa natureza pecaminosa. Pois tudo deve ser feito para a Sua glória somente. Desde o nascimento nós falamos mentiras e
procuramos somente o nosso bem-estar. A Escritura nos diz que “se, de fato, é justo para com Deus ... quando do céu se manifestar o Senhor Jesus com os anjos do seu poder, em chama de fogo, tomando vingança contra os
que não conhecem a Deus e contra os que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus. Estes sofrerão penalidade de eterna destruição, banidos da face do Senhor e da glória do seu poder, quando vier para ser glorificado nos seus santos e ser admirado em todos os que creram, naquele dia (porquanto foi crido entre vós o nosso testemunho)” (2 Tessalonicenses 1:6–10).
V. Reino Universal do Pecado
Quando Paulo expõe aos Romanos o porquê de precisarmos da retidão de Cristo para cobrir nossos pecados ele cita os Salmos 14 e 53,
dizendo “Não há justo, nem um sequer;
não há quem entenda, não há quem busque a Deus” (Romanos 3:10, 11).
Esta citação primeiramente declara que não há ninguém justo aos olhos de Deus. Segundo, ninguém entende o que é bom. Terceiro, todos são incapazes mesmo de procurar a Deus. Vamos expandir um pouco esses pontos. Outra forma de descrever nossa depravação total é como esta sendo uma total incapacidade. Isso significa que o homem é incapaz de fazer o bem, de entender o que é bom ou até mesmo de desejar o que é bom.
Primeiro, todos são pecadores e necessitam da graça de Deus, já que ninguém é justo. A pecaminosidade do homem espalhou-se por toda a raça humana desde a queda de Adão. Como Paulo disse “... pela desobediência
de um só homem, muitos se tornaram pecadores” (Romanos 5:19). Essa
pecaminosidade infiltrou-se na raça humana mesmo antes da entrega da lei a Moisés. Antes do Dilúvio “Viu o SENHOR que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração” (Gênesis 6:5). Mesmo logo depois do Dilúvio, o SENHOR
disse do homem “porque é mau o desígnio íntimo do homem desde a sua mocidade” (Gênesis 8:21). Jesus nos ensinou que é do coração que procede toda forma de pecado (Marcos 7:20–23). “Nada sai do corpo físico do homem que seja agradável de olhar ou agradável de cheirar. Da mesma
forma que não existe nada que saia do coração do homem que seja agradável
a Deus (para a salvação).” Adiante, em Romanos 3, Paulo nos disse “não há quem faça o bem, não há nem um sequer” (v. 12).
VI. Mentes Obscurecidas pelo Pecado
Segundo, ninguém entende o bem. Não só todos os homens são mortos no pecado e escravos dele, mas suas mentes estão obscurecidas pelo pecado. O homem não-regenerado não tem entendimento das coisas de Deus. Tais coisas são loucura para ele. Paulo declara que os não regenerados
estão “obscurecidos de entendimento, alheios à vida de Deus por causa da ignorância em que vivem, pela dureza do seu coração” (Efésios 4:18). No que diz respeito aos judeus descrentes, Paulo diz que “... os sentidos deles se embotaram” e “o véu está posto sobre o coração deles” “... Quando, porém, algum deles se converte ao Senhor, o véu lhe é retirado (2 Coríntios. 3:14–16).
O Evangelho de João descreve a vinda de Jesus ao mundo como a vida que dá luz aos homens. Seu prólogo diz “A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela” (João 1:5). Adiante, ele diz que o
“Verbo estava no mundo, o mundo foi feito por intermédio dele, mas o mundo não o conheceu. Veio para o que era seu [o povo Judeu], e os seus não o receberam” (João 1:10, 11). O problema que Jesus encontrou não estava em sua apresentação, seu estilo ou suas habilidades de comunicação.
Ninguém teria feito melhor trabalho em comunicar a verdade. Pelo contrário, eram os duros e descrentes corações que eram incapazes de entender a verdade. Jesus disse aos judeus “Se vos digo a verdade, por que
razão não me credes? Quem é de Deus ouve as palavras de Deus; por isso, não me dais ouvidos, porque não sois de Deus” (João 8:46–47).
João explica porque corações duros e obscurecidos de descrentes evitam a luz da verdade de Deus. “O julgamento é este: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque as suas obras
eram más. Pois todo aquele que pratica o mal aborrece a luz e não se chega para a luz, a fim de não serem argüidas as suas obras. Quem pratica a verdade aproxima-se da luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque
feitas em Deus.” (João 3:19-21).
Como Paulo falou do poder e da glória da cruz de Cristo aos coríntios, ele explicou porque muitos a rejeitaram: “Certamente, a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus” (1 Coríntios 1:18). Adiante, ele diz “Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode
entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (1 Coríntios 2:14). O
cientista e filósofo Francês Blaise Pascal (1623–1662) disse: “Existem apenas
dois tipos de homens: os justos, que se acreditam pecadores; e o resto,
pecadores, que se acreditam justos”.
Existem vários teólogos e pastores que passam a maior parte de suas vidas estudando a Bíblia, sem, contudo, nunca terem acreditado nela. Eles não podem acreditar porque o Espírito de Deus não regenerou seus
corações. Eles podem ser capazes de explicar acuradamente o evangelho e as verdades da Bíblia e ainda rejeitá-las como mitos e estórias criadas para explicar eventos não entendidos antes da nossa era científica. E apenas pelo
poder e iluminação do Espírito Santo é que uma pessoa pode entender as profundas verdades do Evangelho.
VII. A Incapacidade do Homem de Se Arrepender e Acreditar
Terceiro, nós somos totalmente incapazes de até mesmo procurar a Deus. Como Paulo diz, “Não há quem busque a Deus”. De fato, o homem odeia a Deus e o que Ele representa. O homem odeia o bem e não se importa. É necessário um miraculoso trabalho de Deus para uma pessoa chegar à fé salvadora. Como Jesus disse, “Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer...” (João 6:44). Um pouco depois, Jesus repetiu o mesmo pensamento dizendo “ninguém poderá vir a mim, se, pelo Pai, não lhe for concedido” (João 6:65). Isso quer dizer que ninguém pode
escolher seguir Jesus. Todas as pessoas estão atadas ao pecado.
A vontade é livre para escolher o que acha melhor, mas o que ela naturalmente pensa como melhor é não buscar ou escolher Deus. O homem natural não quer se submeter e servir a Deus. Ele rejeita a soberania de Deus
em sua vida. Ele pensa que a felicidade da satisfação na vida não é encontrada na justiça de Deus. Apesar da vontade do homem ser livre para escolher “Provai e vede que o SENHOR é bom” (Salmos 34:8), ele “odeia” o gosto do “pão vivo que desceu do céu” (João 6:51). A vontade do homem natural está atada pelas correntes do pecado, o que afeta seu entendimento e visão. Por que o homem natural não poder ir a Deus? Como Jeremias disse, “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente
corrupto; quem o conhecerá?” (Jeremias 17:9). Só aqueles que primeiramente têm a obra do Espírito de Deus em seu coração são capazes
de ir para Jesus. Assim que Paulo falou a um grupo de mulheres que se juntaram em Filipos, próximo a um rio, Lídia veio a crer. Nos é dito que “O Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia” (Atos
16:14, grifamos). Ela não abriu o seu coração. Deus é que o abriu.
Jeremias, que era bom amigo do africano Ebede-Meleque, o qual havia lhe salvado das profundezas pantanosas de uma cisterna com uma corda (Jeremias 38:7-13), usou o homem negro para ilustrar uma verdade espiritual:
“Pode, acaso, o etíope mudar a sua pele
ou o leopardo, as suas manchas?
Então, não poderíeis fazer o bem,
estando acostumados a fazer o mal.” (Jeremias 13:23).
A questão retórica colocada por Jeremias confirma o fato de que é impossível para qualquer um mudar de uma vida de pecado para fazer o bem, quanto mais alcançando justiça perante Deus. O grande pregador
inglês do século dezenove Charles Spurgeon descreve isso da seguinte forma:
…Você não poderia tornar um homem negro em branco, apesar de você poder tornar um homem branco em negro.
Você pode fazer o que quiser por meio de corrupção, mas você não pode fazer nada através de correção. Você pode se fazer
sujo pelo pecado, mas você não pode se fazer limpo espiritualmente por si mesmo, faça o que fizer. Existe uma facilidade em ir para baixo; você pode pular para dentro de um
precipício bastante rápido, mas quem poderia ficar ao fundo de um alto despenhadeiro e saltar para o topo de um só pulo? O homem pode descer contra sua vontade, mas ele não pode subir mesmo com sua vontade. Você pode fazer o mal muito facilmente, você pode fazê-lo com as duas mãos, gananciosamente e faze-lo de novo e de novo e não se cansar
dele; mas retornar ao caminho correto, isso é difícil.
O que pode o homem fazer para mudar a sua natureza e se fazer um novo homem? Nada! Ouvir sermões, ir à igreja, dar dinheiro aos pobres e ajudar uma viúva a consertar o seu teto vazando, não vão mudar o coração de um pecador. Todos os meios aparentes de que alguém possa se utilizar serão inúteis. É somente a obra do Espírito de Deus que pode mudar um coração frio de pedra em um coração de carne que responde ao chamado de Deus.
O homem continuamente pensa que ele deve fazer algo para contribuir para sua salvação. Mesmo aqueles que reconhecem que a salvação é pela graça de Deus, ainda pensam que são eles quem escolhem Deus e são eles que contribuem com a fé para acreditar.
A questão que enfrentamos com relação
ao ponto da depravação total ou extrema, é expressa por Edwin Palmer da seguinte forma:
É Deus sozinho o autor da salvação ou também a fé? Deus contribui com o sacrifício substituinte de Cristo e o homem contribui com a sua fé? Ou a fé é também um dom de Deus (Efésios 2:8)? A salvação depende parte de Deus (a entrega de Cristo na cruz) ou totalmente de Deus (a entrega de Cristo na
cruz para morrer por nós além de nos dar a nossa fé)? O homem mantém um pouquinho da glória para si mesmo – a capacidade de acreditar? Ou toda a glória vai para Deus? O
ensinamento da depravação total é que Deus leva toda a glória e o homem nenhuma.
VIII. Aplicação
O que nós aprendemos pelo ensinamento de nossa depravação total é uma explicação para todos os problemas que encontramos em nosso mundo de ódio, guerra, pobreza, ganância, drogas, promiscuidade sexual, rebelião e anarquia. Mesmo se todo o mundo se convertesse, não seriam resolvidos
todos os nossos problemas, uma vez que os cristãos ainda são pecadores.
Mas nós vemos que o Evangelho nos leva a resolver os problemas no mundo até que Jesus venha, quando todas as coisas serão renovadas.
Em segundo lugar, nós aprendemos que estamos em uma condição terrível em nossa própria depravação. Isso nos dá uma noção da urgência de buscar a Deus. Nós percebemos que não há esperança longe da graça
sobrenatural e imerecida de Deus. Isso deveria nos levar a apelar a Deus por misericórdia. Nós deveríamos chamar a Jesus para nos salvar de nossa condição miserável.
Em terceiro lugar, sabemos agora que se nós buscamos a ajuda e a misericórdia de Deus é somente porque Deus primeiramente começou a obra de seu Espírito em nossos corações para chamar por Ele. “Porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade (Filipenses 2:13).
Em quarto, o entendimento da total depravação do homem tem um impacto em várias decisões feitas em casa, na escola, na política pública e no governo. Nosso entendimento da natureza pecaminosa básica da humanidade afeta como devemos educar nossas crianças. Isto afeta diretrizes com respeito ao crime e à punição. A depravação da humanidade influenciou fortemente os autores da Constituição dos Estados Unidos a
desenvolver um sistema de controle e avaliação nos três ramos do governo
(executivo, legislativo e judiciário), sabendo que existe uma contínua tendência do homem em buscar subjugar outros, se permitido.
Mas no coração dessa doutrina está a necessidade de nós entendermos que estamos totalmente falidos perante Deus. Se mantivermos a idéia de que temos alguma capacidade espiritual, ainda que pequena, não vamos nos preocupar nunca com a nossa condição espiritual. Geralmente nós pensamos que temos uma longa vida para viver e que ainda há tempo para acreditar em Cristo mais tarde. Mas ao conhecermos nossa real
condição de estarmos mortos no pecado, estaremos em desespero e procurando por Cristo. Nós vamos sentir uma urgência em nos arrependermos e acreditarmos Nele. Pois nós não temos mérito em nós mesmos para oferecer a Deus e recebermos a salvação. A salvação vem de Deus somente, através de Cristo somente, pela graça somente, através da fé somente que nos é dada como um dom de Deus, para a glória de Deus somente. Aleluia! Amém.
Ação de Graças:
“Ora, àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto
pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós, a ele seja a glória, na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre.
Amém!” (Efésios 3:20, 21).
DEUS TEM UMA PALAVRA PRA VOCÊ !!!
terça-feira, 31 de março de 2020
sábado, 30 de novembro de 2019
Gálatas 5:16-26 - A Vida sob o Controle do Espírito
O remédio para os graves conflitos interpessoais que agitavam as igrejas da Galácia é apresentado por Paulo no v. 16. As palavras “por isso digo” (λέγω δέ indicam que o que está para ser dito é a solução para o problema descrito no v. 15. Assim, segundo Paulo, a única meio de superar aquela forte inimizade que havia entre os crentes galateus era a submissão à influência do Espírito Santo.
O Apóstolo descreve essa forma de viver como “andar no Espírito’ (πνεύματι περιπατεῖτε). O significado básico dessa expressão, conforme já sugerido, é um caminhar em que o indivíduo permite que o Espírito de Deus controle suas reações e guie a sua vontade (Veja tb. v.18). O homem que se dispõe a isso diz “não” para suas inclinações pessoais (Lc 9.23) e “sim” para as orientações do Espírito de Deus (Rm 8.5).
Frise-se que só os cristãos podem dispor dessa maneira de viver, uma vez que somente neles o Espírito Santo habita, apontando-lhes o modo de proceder (Rm 8.9,14). Deve também ficar claro que andar no Espírito não é uma experiência mística, em que o crente tem sua personalidade anulada, vivendo como que num êxtase. Antes, trata-se de um estilo de vida a que o cristão se submete voluntária e conscientemente, sabendo que não existe outra maneira pela qual seja possível viver o cristianismo de modo real e satisfatório (Rm 8.8).
O que vem em decorrência do andar no Espírito é uma conduta em que a carne, ou seja, a inclinação pecaminosa do individuo, não é satisfeita, ou seja, tal tendência é como que mortificada (Rm 8.13). É claro que o Apóstolo não está dizendo aqui que o submeter-se ao controle de Deus levará o crente a uma vida sem pecado. A própria experiência de Paulo mostra que esse ideal é impossível neste mundo (Rm 7.15-25). Porém, é fora de discussão que o crente que se sujeita às orientações e influência do Espírito Santo não vive sob o domínio de suas inclinações naturais. Estas, é claro, não desaparecem num crente assim, mas também não são capazes de tomar as rédeas de sua vida e ditar-lhe a conduta. No cristão que vive pelo Espírito, o pecado mostra-se presente, perturbando-o, entristecendo-o e contrariando sua vontade, mas isso nunca até o ponto de estabelecer-se no centro de sua vida, reinando soberano (Rm 6.12-14).
Dando seguimento ao seu ensino, Paulo destaca que há no íntimo do cristão uma verdadeira batalha entre sua natureza pecaminosa e as orientações do Espírito Santo que nele habita. Conforme o ensino do Apóstolo, de um lado há as inclinações naturais tentando determinar a conduta do homem já regenerado, enquanto de outro lado há a atuação do Espírito que insiste em guiar a vida daqueles que pertencem a Deus (17). Paulo diz que essa batalha travada no âmbito da vontade faz com que as decisões morais dos crentes nunca sejam absolutamente livres. Antes, sempre resultam ou dos impulsos carnais ou da obra do Espírito de Deus.
Deve ficar claro que, com a frase “... de modo que vocês não fazem o que desejam” (NVI), Paulo não está dizendo que o crente não tem vontade própria. Antes, a frase aponta para o fato de que a vontade moral do cristão sempre sofre influências determinantes. Com isso o Apóstolo resvala num tema da teologia cristã que tem sido objeto de calorosos debates: a vontade livre. Ainda que esse assunto tenha inúmeras ramificações, à luz do texto em análise parece certo dizer que, no que diz respeito ao cristão, a vontade moral sempre reage aos impulsos de uma entre duas forças, isto é, ou o crente toma decisões induzido por suas paixões carnais, ou o faz sob a direção do Espírito. Em todo caso, sua vontade própria sempre se expressa no campo da ética respondendo a fatores que a contrariam, mas que fatalmente a conduzem nesta ou naquela direção (Rm 7.19; Fp 2.13). Assim, parece que a liberdade plena da vontade, nos termos como é geralmente entendida, não encontra suporte para sustentação no ensino paulino.
O fato é que, no crente, a vontade é um misto de bem e mal. Por isso, não importa o rumo que tome, seu querer sempre será contrariado. Se optar pelo mal, sentir-se-á frustrado, pois o bem que ele aprova e no qual tem prazer não será alcançado. Se, por outro lado, optar pelo bem, terá de fazê-lo dizendo “não” para si mesmo, ou seja, para aquilo que seu coração naturalmente deseja (Lc 9.23; 1Co 9.27). Assim, enquanto o pecado estiver em seus membros (Rm 7.23), o cristão jamais poderá dizer que desfruta de plena liberdade em suas decisões morais.
Paulo sabia que as discórdias existentes nas igrejas da Galácia (vv. 13-15) eram o resultado indesejado daquela batalha entre os impulsos da carne a que aqueles crentes estavam dando vazão, e as orientações do Espírito. Sobre eles recaía, portanto, o dever de administrar corretamente essas inclinações, refreando a natureza pecaminosa e submetendo seus desejos aos ensinos do Espírito.
Isso tudo conduz o Apóstolo a uma implicação óbvia: se era ao Espírito que os galateus deviam sujeição, isso significava também que, conforme argumenta em toda a carta, seu senhor não poderia ser a Lei (18). Nesse ponto, é como se o Apóstolo estivesse a dizer: “Essas brigas que há entre vocês são reflexos do domínio da carne em suas vidas e só poderão desaparecer se houver submissão às orientações do Espírito Santo. Esse Espírito, de fato, atua em vocês, opondo-se às suas inclinações carnais. Ora, se o Espírito de Deus quer controlar sua vida, é óbvio que sua obediência deve ser a ele e não às normas da Lei Mosaica, como os mestres judaicos têm lhes ensinado”.
De tudo isso se depreende o seguinte: há três influências sob as quais é possível que um crente se coloque. Essas três influências são: a Lei, a carne e o Espírito. Sob as duas primeiras, o cristão jamais conseguirá agradar a Deus (Rm 7.9; 8.8) e, para desespero de Paulo, era exatamente a essas duas que os galateus se sujeitavam. Já a terceira influência, a do Espírito, esta permanece a única sob a qual o crente pode realmente fazer a vontade do Senhor (v.16). Debaixo dela, a força da carne é neutralizada e o cristão é capacitado sobrenaturalmente a cumprir as justas exigências da Lei, da forma como Deus requer (Rm 7.6; 8.4).
Nos vv. 19-21, o Apóstolo apresenta uma lista da qual constam quinze “obras da carne” específicas. Paulo pretende mostrar vividamente o modo como as inclinações na natureza pecaminosa se manifestam no dia-a-dia das pessoas que se deixam dominar por ela. Fica claro aqui, antes de tudo, que a carne induz à realização de certas obras e que essas obras são facilmente identificáveis. O termo traduzido na NVI como “manifestas” (φανερὰ) indica que tais obras são praticadas sem qualquer discrição, sendo expostas diante de todos numa chocante demonstração de ausência de escrúpulos.
A lista de obras da carne pode ser dividida em quatro grupos distintos de pecados. O primeiro deles abrange os pecados de natureza sexual. Estes são: imoralidade sexual, impureza e libertinagem (19). O termo traduzido por “imoralidade sexual” (πορνεία) abrange todos os tipos de relação sexual ilícita, desde a fornicação até a prostituição. Já a “impureza” (ἀκαθαρσία) sugere a idéia de podridão no íntimo, ou seja, as más intenções na área sexual ainda que também signifique imoralidade de um modo geral. Quanto à “libertinagem” (ἀσέλγεια) a palavra poderia ser traduzida como “lascívia” (cf. ARA) ou “sensualidade”. Porém, o termo pode denotar um comportamento realmente ousado, próprio daquele que se entrega à licenciosidade, assumindo um modo devasso, impudico e dissoluto de viver.
O segundo grupo de obras da carne mencionado pelo Apóstolo pode ser classificado como composto de pecados de natureza religiosa. Paulo menciona, no v. 20, a idolatria (εἰδωλολατρία) e a feitiçaria (φαρμακεία). A primeira é a adoração de ídolos ou imagens de falsos deuses. Quanto à feitiçaria, a palavra sugere inicialmente a prática da magia que faz uso de drogas e poções (a partir do termo grego temos, em português, a palavra “farmácia”). Porém, num sentido amplo, “feitiçaria” é qualquer arte de bruxaria, magia ou encantamentos. A prática popular de “simpatias” insere-se perfeitamente no conceito que Paulo repugna aqui. Assim também o uso de drogas no preparo do indivíduo para exercícios mentais próprios das religiões orientais.
É curioso notar que a natureza pecaminosa também inclina o homem para a religião falsa e para a superstição. Assim, os atos cultuais realizados pelos adeptos de qualquer seita idólatra e as crendices populares não são meros frutos da ignorância, do costume ou da tradição. Antes, refletem o caráter reprovado de quem se envolve com elas; um caráter em que a natureza pecaminosa reina governando a mente e as ações do indivíduo. Essa é a “psicologia da religião” ensinada por Paulo!
Como é sabido, a sociedade pagã do primeiro século da Era Cristã era caracterizada tanto por um baixo nível moral como pelo desvio religioso e, sem dúvida, os leitores da epístola estavam familiarizados com as formas de comportamento referidas pelo Apóstolo. Portanto, não há dúvida que, nesse ponto, seu ensino assume um caráter vívido, pois no contexto em que viviam os galateus, não faltavam exemplos das coisas até aqui mencionadas. Assim, ao definir toda essa conduta como carnal, Paulo incita seus leitores a não adotarem o comportamento próprio da sociedade que os cercava.
Depois de listar os pecados na área da religião, Paulo prossegue enumerando os pecados de natureza relacional, isto é, aqueles que normalmente se insinuam no âmbito do convívio social, destruindo os relacionamentos interpessoais. Esse grupo concentra o maior número de pecados (oito, ao todo), certamente porque era exatamente na esfera da convivência que os galateus tinham mais problemas (vv. 14-15, 26). São eles ódio, discórdia, ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções e inveja (20-21).
O ódio (Lit. “ódios”. Gr. ἔχθραι) não é aqui um mero sentimento. Trata-se da manutenção de inimizades. O homem carnal considera-se inimigo de certas pessoas e age como tal, alimentando suas hostilidades. Na igreja, é o crente que sempre está “de mal” com alguém; constantemente construindo barreiras entre si e os outros. Trata-se do homem que tem uma forte inclinação para arrumar encrencas e geralmente é bem sucedido nesse propósito.
O vocábulo “discórdia” (ἔρις) denota a rivalidade que aflora em contendas. Discussões verbais (1Co 1.11; Tt 3.9) e provocações (Fp 1.15) são manifestações desse tipo de pecado. Quanto ao ciúme (ζῆλος. Daí a palavra “zelo”, em português), seu significado aqui é o sentimento de inveja, o incômodo que nasce no coração de alguém quando vê o sucesso, o destaque ou o simples bem estar de outrem (At 5.17). O invejoso não se conforma com as conquistas de outra pessoa e, cedo ou tarde, esse seu inconformismo se expressa em maledicência e oposição. É por isso que Tiago coloca a inveja na raiz de todas as confusões e coisas ruins que surgem na igreja e em qualquer outro grupo de pessoas (Tg 3.14-16).
A palavra que vem a seguir é “ira” (Lit. “iras”. Gr. θυμοί). Significa, basicamente, raiva e furor (Lc 4.28-29). Paulo tem em mente aqui as explosões de cólera, sempre acompanhadas de gritos, ameaças e ofensas. O homem carnal reage de modo agressivo bem depressa e por muito pouco. Ele também se orgulha por ser assim e até se gaba dos ataques que, cheio de ira, empreendeu contra seus semelhantes nesta ou naquela ocasião.
O próximo item na lista de Paulo é “egoísmo”, que no texto também aparece no plural (ἐριθεῖα). O vocábulo denota a ambição egoísta, também mencionada em Tiago 3.14-16 como a causa de tudo o que é ruim nas relações entre os homens. O indivíduo que pratica esse pecado é aquele que faz as coisas visando a glória pessoal, em detrimento dos interesses e bem estar dos outros, chegando mesmo a desrespeitá-los (v. 26). Para ele o cuidado e a promoção de si mesmo está acima de tudo e de todos (Fp 2.3-4).
Quanto às dissensões (διχοστασίαι), estas são as divisões e partidos que muitas vezes se insinuam até mesmo dentro das igrejas (Rm 16.17). Já as facções (αἱρέσεις), referem-se a conflitos de opinião (1Co 11.19). Da palavra grega que aparece aqui surgiu o termo “heresia”, usado para descrever conceitos doutrinários que causam cisma dentro da igreja.
A última palavra pertencente à terceira classe de pecados alistados por Paulo é traduzida como “inveja” (φθόνοι). Seu significado é, basicamente, o mesmo atribuído a ζῆλος (Veja acima).
O quarto e último grupo de obras da carne abrange os pecados de desregramento que Paulo especifica mencionando a embriaguez e as orgias (21).
A embriaguez (μέθαι) é o uso abusivo da bebida alcoólica. O cristianismo não ensina a abstinência total do álcool (Jo 2.3-10; 1Tm 5.23), mas reprova a bebedice (Pv 20.1; Is 5.11-12,22; 1Tm 3.2-3,8; Tt 2.3). Diferentemente da concepção moderna, a Bíblia se refere à embriaguez como um pecado que impõe a quem o pratica a necessidade de arrependimento (Rm 13.13-14) e não como uma doença pela qual o homem não pode ser responsabilizado. Assim, Paulo alista a bebedice entre as obras da carne, mais especificamente entre os pecados de desregramento, vendo-a como um reflexo da busca egoísta e irresponsável pelo prazer que, inegavelmente, a bebida traz tanto ao paladar quanto aos sentimentos (Sl 104.14-15; Pv 31.6-7). O beberrão é reprovado por Deus porque atende aos impulsos de sua natureza pecaminosa que, na bebida, busca a todo custo o prazer do corpo e o alívio da mente. Ademais, invariavelmente, o resultado dessa busca descontrolada é a escravidão ao vício, a miséria (Pv 21.17) e a degradação do indivíduo (Is 28.7; Ef 5.18).
A mesma busca desenfreada pelo prazer dos sentidos que move o escravo da bebida também está presente naqueles que se entregam às orgias. A palavra usada por Paulo aqui (κῶμοι) denota um banquete festivo em que as pessoas se entregam à glutonaria e a todos os tipos de prazer corporal. A orgia sexual compõe o quadro que a palavra sugere. No ambiente pagão do século I, essas festas devassas eram comuns (1Pe 4.3), fazendo parte, inclusive, dos cultos devidos aos deuses.
Com a expressão “coisas semelhantes”, Paulo indica que a lista de obras da carne aqui apresentada não é exaustiva. Ele também lembra que já havia falado sobre essas coisas com os galateus numa outra ocasião, provavelmente ao tempo de sua visita àquela região (At 14.1-23). Naquela oportunidade, assim como agora, o Apóstolo advertira a todos que “aqueles que praticam essas coisas não herdarão o Reino de Deus”. Isso significa que as pessoas que vivem sob o domínio das obras da carne revelam sua verdadeira condição espiritual de incrédulos perdidos. Ainda que muitos se apresentem como cristãos, num discurso que revela conhecimento das principais doutrinas bíblicas e até certo envolvimento com a igreja de Deus, o fato é que uma vida onde o pecado reina jamais experimentou realmente a redenção que Cristo dá. A verdade é que quem vive no pecado, mostra que nunca foi liberto do pecado e, ao final, receberá o galardão do pecado (Ap 22.14-15).
Em contraste com as obras da carne, Paulo apresenta o “fruto do Espírito” (22). Há quem diga que a palavra fruto (καρπὸς) aparece no singular porque Paulo queria ensinar que as virtudes que vêm alistadas a seguir surgem todas juntas, como uma coisa só, na vida do homem espiritual. Isso, porém dificilmente estava na mente do Apóstolo, mesmo porque seria muito improvável que uma lição tão importante e surpreendente fosse transmitida por ele de forma meramente implícita. Ademais, a própria experiência cristã mostra que as virtudes espirituais nem sempre se desenvolvem simultaneamente na vida do indivíduo.
Assim, Paulo não tinha nenhuma lição oculta no uso do singular. Ele queria simplesmente afirmar que a obra do Espírito no crente resulta num produto e que esse produto se manifesta em virtudes variadas. A lição principal que Paulo dirige aos galateus com a menção do fruto do Espírito é que o caráter cristão nasce como resultado da obra sobrenatural de Deus e não em decorrência de uma rígida disciplina moral e legalista (Rm 8.4).
A virtude que encabeça a lista de Paulo é o amor (ἀγάπη) termo usado para descrever uma disposição favorável em relação ao outro, que chega ao ponto do sacrifício, se preciso for, para beneficiá-lo (2.20; 5.13). O amor é a forma como a fé verdadeira se expressa (5.6); e os galateus precisavam crescer nessa virtude, já que o convívio entre eles era marcado por terríveis discórdias (5.14-15, 26).
Paulo prossegue mencionando a alegria (χαρὰ) que é, basicamente, a doce satisfação que existe em quem tem os anseios realizados. Desse conceito se depreende que o invejoso é carente de alegria, posto que se sente frustrado por não ter o que é do outro. Esse era o caso dos galateus (5.26).
Na Epístola aos Filipenses, Paulo menciona a alegria mais do que em qualquer outro lugar. Curiosamente, ele escreveu essa carta quando estava em prisão domiciliar em Roma, o que demonstra que a alegria que advém da obra do Espírito é uma satisfação decorrente da consciência de que Deus está atuando e que, qualquer que seja o rumo das coisas, sua bondade boa e santa sempre estará por trás de tudo (Fp 2.17). A alegria cristã também consiste em ter na pessoa e obra de Deus a principal fonte de vibração e entusiasmo (Fp 4.4).
A terceira virtude alistada como fruto do Espírito é a paz (εἰρήνη), conceito que contrasta com oito obras da carne mencionadas por Paulo nos vv. 20-21. Paz, considerada em seu aspecto interior, é serenidade mental (Fp 4.7). Exteriormente se expressa em harmonia entre as pessoas (Rm 12.18) e ausência de desordem (1Co 14.33). Deus é um Deus de paz (Fp 4.9) que nos chamou para vivermos em paz (1Co 7.15b).
Longanimidade (μακροθυμία) vem a seguir. Longânimo é aquele que permanece firme, perseverando mesmo em face dos mais severos ataques da vida e sendo paciente diante das provocações dos homens (2Tm 4.2).
O quinto traço do homem que vive no Espírito é a benignidade (χρηστότης), termo usado a princípio para descrever a pessoa que faz o bem, sendo generosa em seus atos de benevolência. O termo que vem a seguir, bondade (ἀγαθωσύνη) é quase um sinônimo de benignidade. Contudo, é bem provável que o apóstolo concebesse alguma distinção entre as duas palavras. No afã de manter mais nítida essa distinção, a NVI traduziu χρηστότης como “amabilidade”, ou seja, a postura de quem trata os outros com docilidade, livre de qualquer aspereza. De fato, há o consenso de que a primeira palavra se refere mais à atitude de alguém, enquanto a segunda denota uma carga maior de ação. Essas distinções são relevantes, pois pode-se encontrar alguém amável que não faz o bem; ou ainda alguém que faz o bem, mas não é amável. Assim, as duas virtudes juntas descreveriam o homem dócil que também é pródigo em seus atos de bondade.
A lista de Paulo prossegue e fé (πίστις) é a palavra que vem a seguir. Considerando, porém, que a fé é um elemento básico nas relações do homem com Deus, constituindo-se no fator que possibilita o início da vida cristã (Rm 5.1-2; Gl 3.2), dificilmente Paulo, no presente contexto, incluiria a fé em Deus na lista em pauta. Fé em Deus é raiz, não fruto. Por isso, parece correto entender o termo usado por Paulo como “fidelidade”, aliás, uma tradução perfeitamente possível. De fato, a palavra πίστις é usada para descrever a pessoa comprometida e leal (Rm 3.3; Tt 2.9-10). Assim, certamente Paulo quer ensinar que o homem espiritual é alguém confiável, incapaz de trair a verdade (especialmente a doutrinária) e fiel nas suas relações com as pessoas. Os crentes da Galácia não tinham essa virtude (1.6; 4.14-16).
O vocábulo mansidão (πραΰτης) inicia o v. 23. Manso é o homem brando, aquele que não é dominado pela ira. Não se trata de alguém que nunca se irrita, mas da pessoa que não tem o rancor e a agressividade como marcas distintivas. Cristo, o modelo maior, se apresenta como manso (Mt 11.29), ainda que sejam notórias as suas eventuais manifestações severas de reprovação (Mt 21.12-13; 23.33). Andando em mansidão, o crente desestimula a discórdia, enfraquecendo o império das obras da carne dentro da igreja.
Pondo fim à sua bela lista, o Apóstolo menciona o domínio próprio (ἐγκράτεια) que é o controle das inclinações naturais. Literalmente a palavra aponta para o ato de agarrar ou segurar o eu, o que requer do crente um certo grau de empenho (2Pe 1.5-6). O domínio próprio se constitui no avesso do modo de vida dos incrédulos. Ensinar essa virtude produz grandes incômodos nos homens que vivem dando plena expressão aos seus instintos naturais (At 24.25).
Evocando o zelo das igrejas da Galácia pela Lei, Paulo, numa branda ironia, recorda que ninguém transgride os mandamentos ao praticar as virtudes que ele alistou (23 in fine). Assim, se quisessem viver sem quebrar a Lei, os galateus tinham que se colocar sob o domínio e influência do Espírito Santo, crescendo no fruto que esse mesmo Espírito produz. De fato, em outro lugar, Paulo ensina que o crente que vive segundo o Espírito tem um procedimento no qual se percebe o cumprimento substancial das justas exigências da Lei (Rm 8.4).
O Apóstolo insiste que não é a prática legalista que santifica o homem. Ele realça que para se livrar do domínio das inclinações do pecado é preciso, antes de tudo, pertencer a Cristo (24). Isso não significa que no crente o pecado está morto, mas sim que, quando passa a pertencer a Cristo, o homem experimenta a neutralização do poder da carne que, como um homem crucificado, se vê despojada de sua força. É claro que aquele que pertence a Cristo ainda comete pecados (1Jo 1.8-10). Contudo, ao crente são dadas condições de viver de tal modo que a iniqüidade não ocupe mais o trono de sua vida (Rm 6.12-14). Essas condições advêm da habitação do Espírito Santo nele.
Resta ao crente agora ser zeloso e submeter-se ao controle do Espírito que nele está (v. 16). Já vivemos no Espírito, ou seja, quando passamos a pertencer a Cristo fomos inseridos na esfera de atuação do Espírito de Deus. Isso é fato consumado. Agora, porém, é preciso andar no Espírito (24), o que não nos advém como num passe de mágica, mas sim implica o dever de acolher suas orientações com perseverança e responsabilidade.
Assim, o crente já está no Espírito, devendo agora andar como ele determina. Numa palavra, o cristão tem o dever de ajustar sua vida à nova realidade em que agora se encontra. Tal como o homem que entrou para o casamento deve conformar sua vida à realidade de alguém casado, assim também o homem que, pela conversão, entrou para a vida no Espírito deve andar como alguém controlado por esse mesmo Espírito.
Na Galácia, essa harmonização entre viver no Espírito e andar no Espírito ocorreria quando os crentes deixassem de lado o orgulho, as provocações mútuas e as invejas, o que reforça o ensino de que para andar no Espírito é necessária consciente e perseverante sujeição.
sexta-feira, 18 de outubro de 2019
A vinha de Nabote (1 Reis 21)
A vinha de Nabote é uma história registrada em 1 Reis 21. Um estudo bíblico sobre a vinha de Nabote destaca o modo perverso com que Acabe e Jezabel se apoderaram da herança de um homem justo e temente a Deus.
A Bíblia diz que um homem de Jezreel por nome de Nabote possuía uma vinha que ficava ao lado do palácio do rei Acabe. Jezreel ficava localizada a cerca de quase quarenta quilômetros ao norte de Samaria, que era a capital do reino de Israel. Então essa propriedade de Acabe era um segundo palácio, uma espécie de residência de verão.
Certo dia Acabe pediu que Nabote lhe cedesse a sua vinha, já que ela estava ao lado de sua casa em Jezreel. Inclusive o rei Acabe tentou negociar a compra da vinha, prometendo dar a Nabote outra vinha melhor, ou pagar-lhe em dinheiro o que lhe fosse justo.
Nabote explicou para Acabe que não podia fazer um acordo com ele, porque sua vinha era herança de seus pais. O rei Acabe ficou muito desgosto e indignado por não ter conseguido ficar com a vinha de Nabote. Ele ficou tão abatido que nem queria se alimentar.
Foi então que Jezabel viu a situação de Acabe e lhe perguntou o motivo de sua tristeza. Acabe explicou que era porque sua proposta pela vinha de Nabote havia sido recusada. Mas Jezabel pediu que ele se alegrasse, pois ela lhe daria a vinha que ele tanto desejava.
Um plano perverso para tomar a vinha de Nabote
Tão logo Jezabel pôs em prática seu plano maligno para conseguir obter a vinha de Nabote. Ela escreveu cartas em nome de Acabe e enviou aos anciãos e aos nobres da região. A carta que havia sido selada com o sinete real convocava um jejum e ordenava que Nabote fosse trazido à frente do povo.
Com isso Jezabel estava provocando grande apreensão entre os habitantes de Jezreel. Isso porque ao convocar um jejum, ela estava indicando ao povo que todos estavam diante de uma crise iminente causada por uma grande transgressão (cf. Juízes 20:26; 1 Samuel 7:5-6; 2 Crônicas 20:3; Jonas 3:5-9).
Então Jezabel também providenciou que dois homens maus testemunhassem falsamente contra Nabote. A Lei Mosaica determinava que uma acusação precisava ser sustentada por pelo menos duas testemunhas. Os dois homens acusaram Nabote de blasfemar contra Deus e contra o rei. A pena para quem amaldiçoasse a Deus era a morte por apedrejamento (cf. Êxodo 22:28; Levítico 24:10-16).
E foi assim que aconteceu. Após ter sido acusado falsamente, Nabote foi levado para fora da cidade e foi apedrejado até a morte (1 Reis 21:13). Além disso, os filhos de Nabote também foram mortos, garantindo que não houvesse mais nenhum herdeiro da vinha vivo (2 Reis 9:26).
Quando Jezabel recebeu a notícia de que Nabote já estava morto, logo ela foi avisar a Acabe que a vinha de Nabote agora poderia ser tomada. Então rapidamente o rei de Israel se levantou e foi tomar posse da vinha (1 Reis 21:15,16).
Elias denuncia o crime envolvendo a vinha de Nabote
O escritor bíblico diz que naquele contexto veio a palavra do Senhor ao profeta Elias. Deus ordenou que o profeta fosse se encontrar com Acabe e denunciasse o seu pecado. Através do profeta, Deus anunciou que no mesmo lugar em que os cães lamberam o sangue de Nabote, também lamberiam o sangue de Acabe; bem como Jezabel também seria devorada por cães dentro dos muros de Jezreel.
Deus ainda prometeu acabar com a linhagem de Acabe. Deus falou que o mesmo que aconteceu com a casa de Jeroboão, haveria de acontecer com a casa de Acabe. Quem morresse na cidade seria comido por cães; e quem morresse no campo seria comido pelas aves do céu (1 Reis 21:22; cf. 14:11).
Diante das palavras de juízo divino trazidas por Elias, Acabe mudou de atitude. Ele ficou apavorado, rasgou suas vestes e cobriu-se de pano de saco. No Antigo Testamento esse comportamento era característico de profunda humilhação, lamentação e arrependimento (Gênesis 37:34; 2 Samuel 3:31; 2 Reis 6:30; Lamentações 2:10; Joel 1:13).
Então de forma misericordiosa Deus olhou para a humilhação de Acabe. Por isso Ele resolveu adiar por uma geração o seu juízo sobre a casa de Acabe. Isso significa que o rei não viveria para ver o fim de sua dinastia em Israel. Isso haveria de acontecer nos dias de seu filho Jorão, que morreu no campo que havia pertencido a Nabote. Apesar disso, a sentença de uma morte desonrosa tanto para Acabe quanto para Jezabel foi cumprida (1 Reis 22:37,38; 2 Reis 9:10,34-37).
Por que a vinha de Nabote não podia ser vendida?
Nos povos cananeus, vizinhos dos israelitas, um rei podia confiscar qualquer terra de seu reino. Isso porque nessas nações pagãs todo o território pertencia à família real e era apenas confiado aos súditos.
Mas em Israel isso era completamente diferente. Deus era reconhecido como o verdadeiro proprietário de toda terra. Os israelitas eram vistos como mordomos que simplesmente administravam aquilo que graciosamente tinham recebido de Deus (cf. Êxodo 19:3-8; Levítico 25:23; Números 14:8; 35:34; Deuteronômio 1:8).
Isso também explica a reação de Nabote diante da proposta de Acabe por sua vinha. Ele disse: “Guarda-me o Senhor de que eu dê a herança de meus pais” (1 Reis 21:3). Quando o território da Terra Prometida foi conquistado pelos israelitas, ele foi dividido e distribuído por cada família. Então a posse de cada parte daquele território havia sido dada por Deus como custódia às famílias de Israel.
Os israelitas eram proibidos de negociar e entregar de modo permanente a titularidade de terras familiares. Isso significa que a vinha de Nabote era uma herança sagrada que o Senhor havia dado à sua família. Se Nabote aceitasse vender sua vinha, automaticamente ele acabaria por deserdar seus próprios descendentes (Levítico 25:23; Números 27:1-11; 36:1-12).
Então se a vinha de Nabote fosse vendida, configuraria descumprimento da lei e seria algo desagradável aos olhos do Senhor. Mas por lealdade a Deus, Nabote prontamente recusou a oferta de Acabe por sua vinha, ainda que fosse uma proposta muito vantajosa.
A vinha de Nabote apenas revelou uma sequência de pecados
O episódio envolvendo a vinha de Nabote deixou muito claro que tipo de pessoa o rei Acabe era. Acabe era um homem vendido ao pecado. A palavra de Deus diz que “ninguém houve, pois, como Acabe; que se vendeu para fazer o que era mau perante o Senhor”. Ele era instigado por sua esposa Jezabel, e juntamente com ela abraçou a idolatria e fez grandes abominações em Israel (1 Reis 21:25,26).
W. W. Wiersbe diz que quando alguém se vende para o diabo, pode confundir o bem com o mal e a luz com a escuridão. Através do profeta Isaías Deus diz: “Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem mal; que fazem das trevas luz, e da luz trevas; e fazem do amargo doce, e do doce amargo” (Isaías 5:20).
Acabe caiu exatamente nesse erro. Consequentemente, instigado por sua esposa, ele transgrediu a Lei de Deus em todos os sentidos. Na história da vinha de Nabote, por exemplo, ao lado de Jezabel, Acabe não conseguiu controlar sua cobiça, encorajou o falso testemunho contra Nabote, foi cúmplice de seu assassinato e, por fim, roubou aquilo que não lhe pertencia.
Ao tomar posse da vinha de Nabote, Acabe não estava defraudando apenas a casa de Nabote, mas estava roubando as terras que originalmente pertenciam a Deus. Além disso, o modo como tudo foi feito indica que Acabe e Jezabel usaram a Lei de Deus de forma distorcida e aplicada a satisfazer seus desejos pecaminosos.
Nabote foi morto nos parâmetros da lei ao ser acusado de blasfêmia contra Deus. Mais tarde o mesmo tipo de falsa acusação foi lançado sobre Jesus Cristo e sobre o diácono Estêvão (Mateus 26:59-65; Atos 7). Tal como Acabe e Jezabel tomaram a vinha de Nabote, ainda hoje as pessoas continuam distorcendo a Palavra de Deus a seu bel prazer com a finalidade de satisfazer sua cobiça. Mas o dia do juízo de Deus se aproxima.
terça-feira, 15 de outubro de 2019
Dia dos professores - "Se é ensinar, haja dedicação ao ensino;" (Romanos 12:7)
O apóstolo Paulo pressupõe em suas palavras que ensinar é uma atividade de grande responsabilidade e, portanto, aquele não tem este chamado não deve assumir o encargo. O professor, seja ela na escola secular, ou na escola bíblica tem um chamado ao exercício responsável, que deve ser realizado com esmero, e diante de si uma grande responsabilidade. A História mostra que os homens que fizeram a diferença na Humanidade tiveram a influência de seus professores, dentre eles estão também aqueles que massacraram o seu povo ou outros povos. É claro que nenhum professor tem como saber o resultado do ensino que ministra. Aos professores sempre foi atribuída uma grande responsabilidade e a necessidade de serem modelos em uma sociedade que tem perdido a sua base, a família. Mas se os professores, eles mesmos, não tiverem um modelo em quem se espelhar será difícil atender à exortação de Paulo. Vemos que as escolas têm se distanciado dos princípios bíblicos e aderido às ideias cada vez mais próximas da filosofia mundana. Se a família tem se esfacelado e seus filhos chegam à escola sem a base moral para que recebam uma educação de qualidade, também os professores têm sido formados sem uma referência como a que nos deixou o maior Mestre que pode nos servir de modelo: Jesus. O apóstolo Paulo em I Coríntios 11:1 ensina: “Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo”. Professores que têm Jesus como referência têm a base para enfrentar as dificuldades que os alunos de hoje trazem para a escola, pois diante de todos os tipos de alunos, o Mestre sempre foi atencioso e firme. A Bíblia mostra que Ele deu atenção ao jovem rico e à mulher samaritana; ao religioso judeu e ao simpatizante gentio; ao escrupuloso fariseu e ao desconfiado publicano. Isso não significava mudar de método, de teoria, ou de princípios. Jesus atendia a todos de forma personalizada com a metodologia infalível: o amor!
quarta-feira, 9 de outubro de 2019
Aliança Mosaica e Aliança Abraãmica e suas distinções
“Ora, o mediador não é de um, mas Deus é um” (Gl 3.20).
O versículo acima mostra o quanto um texto do NT, quando traduzido ao pé da letra, pode ser lacônico e vago. Trata-se, também, de um versículo que ilustra a importância do contexto como ferramenta crucial na compreensão de determinada passagem.
De fato, ao dizer simplesmente que “o mediador não é de um” e que Deus, porém, “é um”, Paulo não transmite uma ideia clara ou completa ao leitor atual e, caso alguém caia na tentação de buscar o significado dessas afirmações à parte do assunto tratado pelo apóstolo, o máximo a que talvez seja capaz de chegar abrangerá uma defesa do monoteísmo, frisando a parte final do versículo e dizendo que há um só Deus e nenhum outro.
Ao escrever Gálatas 3.20, porém, Paulo não se propôs a defender o monoteísmo como, numa leitura desatenta, pode parecer. O monoteísmo, obviamente, é verdadeiro e Paulo o ensina claramente em outros escritos (Ex.:1Co 8.5-6; 1Tm 2.5). Porém, não é esse o tema de que ele trata aqui e a simples observação do contexto deixa isso fora de dúvida.
A verdade é que, quando levado em conta o assunto de que Paulo trata nessa porção da Carta aos Gálatas (vejam-se os vv.15-19), fica evidente que, no v.20, o apóstolo está propondo um contraste entre a aliança promulgada ao tempo de Moisés (que envolvia a Lei) e o pacto de Deus firmado com Abraão.
Assim, quando Paulo afirma que “o mediador não é de um”, ele está se referindo a Moisés e à aliança que veio à luz por sua instrumentalidade. Nessa aliança, Moisés atuou como um “mediador”, o que evidenciava a bilateralidade (“não é de um”) do Pacto do Sinai. Sendo, pois, bilateral, a Aliança Mosaica comprometia ambas as partes (Deus e o povo), impondo sobre as duas tanto direitos como obrigações. Frise-se que, no pensamento de Paulo, a simples existência de um mediador era prova cabal de que a Aliança Mosaica era bilateral, comprometendo tanto Deus como os homens.
O versículo, porém, prossegue e Paulo apresenta o segundo elemento do contraste que quer estabelecer. Que esse contraste existe, fica evidente pelo uso que faz da conjunção δέ (mas). O apóstolo, assim, afirma: “Mas Deus é um”. Em outras palavras: se, de um lado, houve um pacto em que duas partes se obrigaram (a Aliança Mosaica); de outro, houve um pacto no qual somente um se obrigou, isto é, Deus. Com efeito, no Pacto Abraâmico “Deus é um”, isto é, figura como a única parte que se comprometeu, fixando, dessa forma, uma aliança unilateral.
Observe-se, portanto, que o sentido da frase “Deus é um” (que, a princípio, parece tão desconectada do assunto), pode ser claramente detectado à luz do ambiente textual em que ela se encontra. Esse ambiente mostra que a expressão “mas Deus é um” se relaciona com o pacto de Deus com Abraão (vv.16,19), sendo, a partir desse aspecto presente no texto, que a frase em pauta deve ser entendida.
Resumindo: em Gálatas 3.20, Paulo ensina que, diferente da Aliança Mosaica, a Aliança Abraâmica envolveu somente um: Deus. Isso significa que, ao fazer suas promessas ao velho patriarca, somente Javé se comprometeu, o que, aliás, pode ser facilmente observado no fato de somente ele ter passado entre os pedaços de animais que foram mortos para formalizar aquela aliança (Gn 15.17).
Qual é a relevância desse ensino? Muito simples: Paulo destaca que as bênçãos da promessa estão ligadas à Aliança Abraâmica e não à Aliança Mosaica (v.16-17). E a Aliança Abraâmica, diferente da Mosaica, é unilateral, não impondo norma nenhuma ao homem. Consequentemente, para participar das bênçãos da Aliança Abraâmica, não é preciso observar regra alguma (como os galateus estavam fazendo), mas somente crer (como Abraão fez — vejam-se os vv.22,24).
Infelizmente, muitos evangélicos de hoje acreditam que a herança da promessa está conectada à Aliança Mosaica e vivem cumprindo regras (até mesmo não bíblicas) para alcançá-la. Quão felizes seriam, porém, se descobrissem o verdadeiro evangelho e, finalmente, aprendessem que a herança de Deus se conecta ao Pacto Abraâmico — um pacto unilateral, livre de preceitos e normas; enfim, um pacto que beneficia os que tão somente creem em Cristo, tornando-os, afinal, herdeiros do universo.
quarta-feira, 25 de setembro de 2019
O Pecado para a Morte e a Blasfêmia contra o Espírito Santo -
Não são poucos os pregadores de linha pentecostal que ameaçam os críticos das atuais "manifestações espirituais" de cometerem o pecado sem perdão, a blasfêmia contra o Espírito Santo. Mas, será? O pecado para a morte é mencionado por João em sua primeira carta:
"Há pecado para morte, e por esse não digo que rogue (5.16c)".
A morte a que João se refere é a morte espiritual eterna, a condenação final e irrevogável determinada por Deus, tendo como castigo o sofrimento eterno no inferno. Todos os demais pecados podem ser perdoados, mas o “pecado para morte” acarreta de forma inexorável a condenação eterna de quem o comete, a ponto do apóstolo dizer: "e por esse não digo que rogue". E o apóstolo continua:
"Toda injustiça é pecado, e há pecado não para a morte (5.17; cf. 3.4)".
João não está sugerindo que a distinção entre pecado mortal e pecado não mortal implique na existência de pecados que não sejam tão graves assim.Todo pecado é contra o Deus justo, contra a sua justiça. Portanto, todo pecado traz a morte, que é a penalidade imposta por Deus contra o pecado. Mas, para que seus leitores não fiquem aterrorizados, João repete: há pecado não para morte (5.17b). Nem todo pecado é o pecado mortal. Há perdão e vida para os que não pecam para a morte. O Senhor mesmo convida seu povo a buscar o perdão que ele concede (Is 1.18).
O que, então, é o pecado para a morte? O apóstolo João não declara explicitamente a que tipo de pecado se refere. Através dos séculos, estudiosos cristãos têm procurado responder a esta pergunta. Alguns têm entendido que João se refere à morte física, e têm sugerido que se trata de pecados que eram punidos com a pena de morte conforme está no Antigo Testamento (Lv 20.1-27; Nm 18.22). Não adiantaria orar pelos que cometeram pecados punidos com a morte, pois seriam executados de qualquer forma pela autoridade civil. Ou então, trata-se de pecados que o próprio Deus puniria com a morte aqui neste mundo, como ele fez com os filhos de Eli (2Sm 2.25), com Ananias e Safira (At 5.1-11) e com alguns membros da igreja de Corinto que profanavam a Ceia (1Co 11.30; cf. Rm 1.32).
A Igreja Católica fez uma classificação de pecados veniais e pecados mortais, incluindo nos últimos os famosos sete pecados capitais, como assassinato, adultério, glutonaria, mentira, blasfêmia, idolatria, entre outros. Este tipo de classificação é totalmente arbitrário e não tem apoio nas Escrituras.
A interpretação que nos parece mais correta é que João está se referindo à APOSTASIA, que no contexto de seus leitores, significaria abandonar a doutrina apostólica que tinham ouvido e recebido e seguir o ensinamento dos falsos mestres, que negava a encarnação e a divindade do Senhor Jesus. “Pode-se inferir do contexto que este pecado não é uma queda parcial ou a transgressão de um determinado mandamento, mas APOSTASIA, pela qual as pessoas se alienam completamente de Deus” (Calvino).
Trata-se, portanto, de um pecado DOUTRINÁRIO, cometido de forma VOLUNTÁRIA e CONSCIENTE, similar ao pecado de blasfêmia contra o Espírito Santo, cometido pelos fariseus, e que o Senhor Jesus declarou que não haveria de ter perdão nem aqui nem no mundo vindouro (cf. Mt 12.32; Mc 3.29; Lc 12.10). Em ambos os casos, há uma rejeição consciente e voluntária da verdade que foi claramente exposta.
No caso dos leitores de João, a apostasia seria mais profunda, pois teriam participado das igrejas cristãs, como se fossem cristãos, participado das ordenanças do batismo e da Ceia, participado dos meios de graça. À semelhança dos falsos mestres que também, antes, tinham sido membros das igrejas, apostatar seria sair delas (2.19), e se juntar aos pregadores gnósticos e abraçar a doutrina deles, que consistia numa negação de Cristo.
Tal pecado era “para a morte” por sua própria natureza, que é a rejeição final e decidida daquele único que pode salvar, Jesus Cristo. “Este pecado leva quem o comete inexoravelmente a um estado de incorrigível embotamento moral e espiritual, porque pecou voluntariamente contra a própria consciência” (J. Stott).
É provavelmente sobre pessoas que apostataram desta forma que o autor de Hebreus escreveu, dizendo que “é impossível outra vez renová-los para arrependimento, visto que, de novo, estão crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à ignomínia” (Hb 6.4-6). Ele descreve essa situação como sendo um viver deliberado no pecado após o recebimento do pleno conhecimento da verdade. Neste caso, “já não resta sacrifício pelos pecados; pelo contrário, certa expectação horrível de juízo e fogo vingador prestes a consumir os adversários” (Hb 10.26-27). Este pecado é descrito como calcar aos pés o Filho de Deus, profanar o sangue da aliança com que foi santificado e ultrajar o Espírito da graça (Hb 10.29), uma linguagem que claramente aponta para a blasfêmia contra o Espírito e a negação de Jesus como Senhor e Cristo (ver também 2Pd 2.20-22, onde o apóstolo Pedro se refere aos falsos mestres).
Não é sem razão que o apóstolo João desaconselha pedirmos por quem pecou dessa forma.
Alguém pode perguntar se Deus fecharia a porta do perdão se pessoas que pecaram para a morte se arrependessem. Tais pessoas, porém, não poderão se arrepender. Elas não o desejam. E além disto, o Senhor determinou sua condenação, a ponto de João não aconselhar que oremos por elas. “Tais pessoas foram entregues a um estado mental reprovável, estão destituída do Espírito Santo, e não podem fazer outra coisa senão, com suas mentes obstinadas, se tornarem piores e piores, acrescentando mais pecado ao seu pecado” (Calvino).
Notemos que nestes versículos João não chama de “irmão” aquele que peca para a morte. Apenas declara que há pecado para a morte e que não recomenda orar pelos que o cometem. É evidente que os nascidos de Deus jamais poderão cometer este pecado.
Portanto, não se impressione com as ameaças de pastores do tipo "você está blasfemando contra o Espírito Santo" se o que você estiver fazendo é simplesmente perguntando qual a base bíblica para cair no Espírito, rir no Espírito, a unção da leoa, e outras "manifestações" atribuídas ao Espírito Santo.
"Há pecado para morte, e por esse não digo que rogue (5.16c)".
A morte a que João se refere é a morte espiritual eterna, a condenação final e irrevogável determinada por Deus, tendo como castigo o sofrimento eterno no inferno. Todos os demais pecados podem ser perdoados, mas o “pecado para morte” acarreta de forma inexorável a condenação eterna de quem o comete, a ponto do apóstolo dizer: "e por esse não digo que rogue". E o apóstolo continua:
"Toda injustiça é pecado, e há pecado não para a morte (5.17; cf. 3.4)".
João não está sugerindo que a distinção entre pecado mortal e pecado não mortal implique na existência de pecados que não sejam tão graves assim.Todo pecado é contra o Deus justo, contra a sua justiça. Portanto, todo pecado traz a morte, que é a penalidade imposta por Deus contra o pecado. Mas, para que seus leitores não fiquem aterrorizados, João repete: há pecado não para morte (5.17b). Nem todo pecado é o pecado mortal. Há perdão e vida para os que não pecam para a morte. O Senhor mesmo convida seu povo a buscar o perdão que ele concede (Is 1.18).
O que, então, é o pecado para a morte? O apóstolo João não declara explicitamente a que tipo de pecado se refere. Através dos séculos, estudiosos cristãos têm procurado responder a esta pergunta. Alguns têm entendido que João se refere à morte física, e têm sugerido que se trata de pecados que eram punidos com a pena de morte conforme está no Antigo Testamento (Lv 20.1-27; Nm 18.22). Não adiantaria orar pelos que cometeram pecados punidos com a morte, pois seriam executados de qualquer forma pela autoridade civil. Ou então, trata-se de pecados que o próprio Deus puniria com a morte aqui neste mundo, como ele fez com os filhos de Eli (2Sm 2.25), com Ananias e Safira (At 5.1-11) e com alguns membros da igreja de Corinto que profanavam a Ceia (1Co 11.30; cf. Rm 1.32).
A Igreja Católica fez uma classificação de pecados veniais e pecados mortais, incluindo nos últimos os famosos sete pecados capitais, como assassinato, adultério, glutonaria, mentira, blasfêmia, idolatria, entre outros. Este tipo de classificação é totalmente arbitrário e não tem apoio nas Escrituras.
A interpretação que nos parece mais correta é que João está se referindo à APOSTASIA, que no contexto de seus leitores, significaria abandonar a doutrina apostólica que tinham ouvido e recebido e seguir o ensinamento dos falsos mestres, que negava a encarnação e a divindade do Senhor Jesus. “Pode-se inferir do contexto que este pecado não é uma queda parcial ou a transgressão de um determinado mandamento, mas APOSTASIA, pela qual as pessoas se alienam completamente de Deus” (Calvino).
Trata-se, portanto, de um pecado DOUTRINÁRIO, cometido de forma VOLUNTÁRIA e CONSCIENTE, similar ao pecado de blasfêmia contra o Espírito Santo, cometido pelos fariseus, e que o Senhor Jesus declarou que não haveria de ter perdão nem aqui nem no mundo vindouro (cf. Mt 12.32; Mc 3.29; Lc 12.10). Em ambos os casos, há uma rejeição consciente e voluntária da verdade que foi claramente exposta.
No caso dos leitores de João, a apostasia seria mais profunda, pois teriam participado das igrejas cristãs, como se fossem cristãos, participado das ordenanças do batismo e da Ceia, participado dos meios de graça. À semelhança dos falsos mestres que também, antes, tinham sido membros das igrejas, apostatar seria sair delas (2.19), e se juntar aos pregadores gnósticos e abraçar a doutrina deles, que consistia numa negação de Cristo.
Tal pecado era “para a morte” por sua própria natureza, que é a rejeição final e decidida daquele único que pode salvar, Jesus Cristo. “Este pecado leva quem o comete inexoravelmente a um estado de incorrigível embotamento moral e espiritual, porque pecou voluntariamente contra a própria consciência” (J. Stott).
É provavelmente sobre pessoas que apostataram desta forma que o autor de Hebreus escreveu, dizendo que “é impossível outra vez renová-los para arrependimento, visto que, de novo, estão crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à ignomínia” (Hb 6.4-6). Ele descreve essa situação como sendo um viver deliberado no pecado após o recebimento do pleno conhecimento da verdade. Neste caso, “já não resta sacrifício pelos pecados; pelo contrário, certa expectação horrível de juízo e fogo vingador prestes a consumir os adversários” (Hb 10.26-27). Este pecado é descrito como calcar aos pés o Filho de Deus, profanar o sangue da aliança com que foi santificado e ultrajar o Espírito da graça (Hb 10.29), uma linguagem que claramente aponta para a blasfêmia contra o Espírito e a negação de Jesus como Senhor e Cristo (ver também 2Pd 2.20-22, onde o apóstolo Pedro se refere aos falsos mestres).
Não é sem razão que o apóstolo João desaconselha pedirmos por quem pecou dessa forma.
Alguém pode perguntar se Deus fecharia a porta do perdão se pessoas que pecaram para a morte se arrependessem. Tais pessoas, porém, não poderão se arrepender. Elas não o desejam. E além disto, o Senhor determinou sua condenação, a ponto de João não aconselhar que oremos por elas. “Tais pessoas foram entregues a um estado mental reprovável, estão destituída do Espírito Santo, e não podem fazer outra coisa senão, com suas mentes obstinadas, se tornarem piores e piores, acrescentando mais pecado ao seu pecado” (Calvino).
Notemos que nestes versículos João não chama de “irmão” aquele que peca para a morte. Apenas declara que há pecado para a morte e que não recomenda orar pelos que o cometem. É evidente que os nascidos de Deus jamais poderão cometer este pecado.
Portanto, não se impressione com as ameaças de pastores do tipo "você está blasfemando contra o Espírito Santo" se o que você estiver fazendo é simplesmente perguntando qual a base bíblica para cair no Espírito, rir no Espírito, a unção da leoa, e outras "manifestações" atribuídas ao Espírito Santo.
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