terça-feira, 9 de janeiro de 2018

A Graça Comum!

A Graça Comum:

I. EXPLICAÇÃO E BASE BÍBLICA

A. Introdução e definição

Quando Adão e Eva pecaram, tornaram-se réus da punição eterna e da separação de Deus (Gênesis 2:17). Do mesmo modo, hoje, quando os seres humanos pecam, eles se tornam sujeito à ira de Deus e à punição eterna: “o salário do pecado é a morte” (Romanos 6:23). Isso significa que, uma vez que as pessoas pecam, a justiça de Deus requer somente uma coisa — que elas sejam eternamente separadas de Deus, alienadas da possibilidade de experimentar qualquer bem da parte dEle, e que elas existam para sempre no inferno, recebendo eternamente apenas a Sua ira. De fato, isso foi o que aconteceu aos anjos que pecaram e poderia ter acontecido exatamente conosco também: “Pois Deus não poupou aos anjos que pecaram, mas os lançou no inferno, prendendo-os em abismos tenebrosos a fim de serem reservados para o juízo” (2 Pedro 2:4).

Mas, de fato, Adão e Eva não morreram imediatamente (embora a sentença de morte começasse a ser aplicada na vida deles no dia em que pecaram). A execução plena da sentença de morte foi retardada por muitos anos. Além disso, milhões de seus descendentes até o dia de hoje não morrem nem vão para o inferno tão logo pecam, mas continuam a viver por muitos anos, desfrutando bênçãos incontáveis nesta vida. Como pode ser isso? Como Deus pode continuar a conferir bênçãos a pecadores que merecem somente a morte — não somente aos que finalmente serão salvos, mas também a milhões que nunca serão salvos, cujos pecados nunca serão perdoados?

A respostas a essas perguntas é que Deus concede-lhes graça comum. Podemos definir graça comum da seguinte maneira: Graça comum é a graça de Deus pela qual Ele dá às pessoas bênçãos inumeráveis que não são parte da salvação. A palavra comum aqui significa algo que é dado a todos os homens e não é restrito aos crentes ou aos eleitos somente.

Diferentemente da graça comum, a graça de Deus que leva pessoas à salvação é muitas vezes chamada “graça salvadora”. Naturalmente, quando falamos a respeito da “graça comum” e da “graça salvadora”, não estamos sugerindo que há duas diferentes espécies de graça no próprio Deus, mas apenas estamos dizendo que a graça de Deus se manifesta no mundo de duas maneiras diferentes. A graça comum é diferente da graça salvadora quanto aos resultados (ela não traz salvação), seus destinatários (é dada aos crentes e descrentes igualmente) e sua fonte (ela não flui diretamente da obra expiatória de Cristo, visto que a morte dEle não obtém nenhuma medida de perdão para os descrentes e, portanto, nem os crentes nem os descrentes fazem jus às suas bênçãos). Contudo, sobre o último ponto, deve ser dito que a graça comum flui indiretamente da obra redentora de Cristo, porque o fato de Deus não julgar o mundo assim que o pecado entrou nele talvez seja apenas porque Ele planejou finalmente salvar alguns pecadores por meio da morte de Seu Filho.

B. Exemplos de graça comum

Se olhamos para o mundo ao nosso redor e o contrastamos com o fogo do inferno que ele merece, podemos ver imediatamente a abundante evidência da graça comum de Deus em milhares de exemplos na vida diária. Podemos distinguir diversas categorias específicas nas quais essa graça comum pode ser vista.

1. A esfera física. Os descrentes continuam a viver neste mundo somente por causa da graça comum de Deus — cada vez que as pessoas respiram é pela graça, pois o salário do pecado é a morte, não a vida. Além disso, a terra não produz somente espinhos e ervas daninhas (Gênesis 3:18), nem permanece um deserto ressequido, mas a graça comum de Deus provê comida e material para roupa e abrigo, muitas vezes em grande abundância e diversidade. Jesus disse: “Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem, para que vocês venham a ser filhos de seu Pai que está nos céus. Porque Ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos” (Mateus 5:44,45). Aqui Jesus apela para a abundante graça comum de Deus como encorajamento aos seus discípulos, para que eles também concedam amor e orem para que os descrentes sejam abençoados (cf. Lucas 6:35,36). Semelhantemente, Paulo disse ao povo de Listra: “No passado [Deus] permitiu que todas as nações seguissem os seus próprios caminhos. Contudo. Deus não ficou sem testemunho: mostrou sua bondade, dando-lhes chuva do céu e colheitas no tempo certo, concedendo-lhes sustento com fartura e um coração cheio de alegria” (Atos 14:16,17).

O Antigo Testamento também fala da graça comum de Deus que vem aos descrentes tanto quanto aos crentes. Um exemplo específico é o de Potifar, o capitão da guarda do Egito que comprou José como escravo: “o Senhor abençoou a casa do egípcio por causa de José. A bênção do Senhor estava sobre tudo o que Potifar possuía, tanto em casa como no campo” (Gênesis 39:5). Davi fala de modo muito mais geral a respeito das criaturas que o Senhor fez:

“O Senhor é bom para todos; a sua compaixão alcança todas as suas criaturas. [...] Os olhos de todos estão voltados para ti, e tu lhes dás o alimento no devido tempo. Abres a tua mão e satisfazes os desejos de todos os seres vivos” (Salmos 145:9,15,16).

Estes versículos são outro lembrete de que a bondade que é encontrada em toda a criação não acontece automaticamente — ela se deve à bondade de Deus e Sua compaixão.

2. A esfera intelectual. Satanás é “mentiroso e pai da mentira” e “não há verdade nele” (João 8:44), porque lhe foi dado ter domínio sobre o mal e sobre a irracionalidade e comprometimento com a falsidade que acompanha o mal radical. Mas os seres humanos no mundo de hoje, mesmo os descrentes, não estão totalmente entregues à mentira, irracionalidade e ignorância. Todas as pessoas são capazes de ter um pouco de compreensão da verdade; de fato, algumas possuem grande inteligência e entendimento. Isso também deve ser visto como resultado da graça comum de Deus. João fala de Jesus como “a verdadeira luz, que ilumina todos os homens” (João 1:9), pois, em seu papel como criador e sustentador do universo (não particularmente em seu papel como redentor), o Filho de Deus concede iluminação e entendimento que vêm a todas as pessoas no mundo.

A graça comum de Deus na esfera intelectual é vista no fato de que todas as pessoas têm certo conhecimento de Deus: “porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças” (Romanos 1:21). Isso significa que há um senso da existência de Deus e muitas vezes a fome de conhecer Deus que Ele permite que permaneça no coração das pessoas, embora isso resulte muitas vezes em muitos religiões diferentes criadas pelos homens. Portanto, mesmo quando falando a pessoas que sustentavam religiões falsas, Paulo pôde encontrar um ponto de contato com respeito ao conhecimento da existência de Deus, exatamente como fez quando falou aos filósofos atenienses: “Atenienses! Vejo que em todos os aspectos vocês são muito religiosos [...] o que vocês adoram, apesar de não conhecerem, eu lhes anuncio” (Atos 17:22,23).

A graça comum de Deus na esfera intelectual também resulta na capacidade de captar a verdade e distingui-la do erro e de experimentar crescimento em conhecimento que pode ser usado na investigação do universo e na tarefa de dominar a terra. Isso significa que toda ciência e tecnologia desenvolvida pelos não-cristãos é resultado da graça comum, permitindo-lhes fazer descobertas e invenções incríveis, para desenvolver os recursos do planeta na criação de muitos bens materiais, para produção e distribuição desses recursos e para alcançar habilidades na obra produtiva. Em sentido prático, isso significa que, cada vez que entramos em uma mercearia, andamos em um automóvel ou entramos em uma casa, devemos lembrar que estamos experimentando os resultados da abundante graça comum de Deus derramada tão ricamente sobre toda a raça.

3. A esfera moral. Pela graça comum Deus também refreia as pessoas de serem tão más quanto poderiam. Novamente o reino demoníaco, totalmente dedicado ao mal e à destruição, proporciona um contraste claro com a sociedade humana, na qual o mal é claramente refreado. Se as pessoas persistem dura e repetidamente em seguir o pecado durante o curso de sua vida, Deus finalmente as entregará ao maior de todos os pecados (cf. Salmos 81:12; Romanos 1:24,26,28), mas no caso da maioria dos seres humanos eles não caem nas profundezas às quais seus pecados normalmente os levariam, porque Deus intervém e coloca freio na sua conduta. Um refreamento muito eficaz é a força da consciência. Paulo diz: “De fato, quando os gentios, que não têm a Lei, praticam naturalmente o que ela ordena, tornam-se lei para si mesmos, embora não possuam a Lei; pois mostram que as exigências da Lei estão gravadas em seu coração. Disso dão testemunho também a sua consciência e os pensamentos deles, ora acusando-os, ora defendendo-os” (Romanos 1:32). E em muitos outros casos, essa sensação interior da consciência leva os indivíduos a estabelecer leis e costumes na sociedade que são, em termos da conduta exterior que eles aprovam ou proíbem, totalmente iguais às leis morais da Escritura. As pessoas muitas vezes estabelecem leis ou têm costumes que respeitam a santidade do casamento e da família, protegem a vida humana e proíbem o roubo e a falsidade no falar. Por causa disso, elas muitas vezes seguem caminhos moralmente retos e exteriormente andam conforme os padrões morais encontrados na Escritura. Embora a conduta moral delas não possa ganhar méritos com Deus, visto que a Escritura claramente diz que “diante de Deus ninguém é justificado pela Lei” (Gálatas 3:11) e “Todos se desviaram, tornaram-se juntamente inúteis; não há ninguém que faça o bem, não há nem um sequer” (Romanos 3:12), contudo, em algum sentido menor que ganhar a aprovação ou o mérito eterno de Deus, os descrentes realmente fazem “o bem”. Jesus sugere isso quando diz: “E que mérito terão, se fizerem o bem àqueles que são bons para com vocês? Até os 'pecadores' agem assim” (Lucas 6:33).

4. A esfera da criatividade. Deus distribuiu medidas significativas de capacidade em áreas artísticas e musicais, assim como em outras esferas nas quais a criatividade e a habilidade podem expressar-se, como praticar esportes, cozinhar, escrever, e assim por diante. Além disso, Deus nos dá a capacidade de apreciar a beleza em muitas áreas da vida. E nessa área, assim como na esfera física e intelectual, as bênçãos da graça comum são às vezes derramadas sobre os descrentes até mais abundantemente que sobre os crentes. Todavia, em todos os casos, ela é resultado da graça de Deus.

5. A esfera da sociedade. A graça de Deus também é evidente na existência de várias organizações e estruturas na raça humana. Vemos isso primeiramente na família humana, ressaltado pelo fato de que Adão e Eva permaneceram marido e mulher após a queda e então tiveram filhos, homens e mulheres (Gênesis 5:4). Os filhos de Adão e Eva casaram-se e formaram famílias para si mesmos (Gênesis 4:17,19,26). A família humana permanece ainda hoje, não simplesmente como instituição para os crentes, mas para todas as pessoas.

O governo humano é também resultado da graça comum. Ele foi instituído no princípio por Deus após o dilúvio (ver Gênesis 9:6) e, segundo Romanos 13 claramente afirma, foi estabelecido por Deus: “Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram por ele estabelecidas”. Está claro que o governo é dom de Deus para a raça em geral, pois Paulo diz que a autoridade “é serva de Deus para o seu bem” e que ela é “serva de Deus, agente de justiça para punir quem pratica o mal” (Romanos 13:4). Um dos principais meios que Deus usa para refrear o mal no mundo é o governo humano. As leis humanas, as forças policiais e os sistemas judiciais proporcionam poderosa repressão às más ações, e esses são freios necessários, pois há muito mal no mundo que é irracional e pode ser restringido somente pela força, já que ele não será impedido pela razão ou pela educação. Obviamente a pecaminosidade das pessoas pode também afetar os governos em si mesmos, de forma que o governo humano, igual a todas as outras bênçãos da graça comum que Deus dá, pode ser usado tanto para o propósito do bem como do mal.

6. A esfera religiosa. Mesmo na esfera da religião humana, a graça comum de Deus traz algumas bênçãos para as pessoas incrédulas. Jesus nos diz: “Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem” (Mateus 5:44), e desde que não há qualquer restrição no contexto para que se ore simplesmente pela salvação deles e como a ordem de orar pelos que nos perseguem é combinada com a ordem de amá-los, parece razoável concluir que Deus pretende responder a nossas orações pelos que nos perseguem em muitas áreas de suas vidas. De fato, Paulo especificamente ordena que oremos “pelos reis e por todos os que exercem autoridade” (1 Timóteo 2:2). Quando procuramos o bem dos descrentes, isso é coerente com a própria prática divina de conceder sol e chuva a “maus e bons” (Mateus 5:45) e também está de acordo com a prática de Jesus durante o Seu ministério terreno, quando Ele curou cada pessoa que lhe era trazida (Lucas 4:40). Não há indicação alguma de que ele tenha exigido que todos cressem nele ou concordassem que ele era o Messias antes de lhes conceder cura física.

Deus responde às orações dos descrentes? Embora Deus não tenha prometido responder às orações dos descrentes como prometeu responder às orações dos que vêm a Ele em nome de Jesus, e embora Ele não tenha obrigação de responder às orações dos descrentes, mesmo assim Deus pode por Sua graça comum ouvir e responder positivamente às orações deles, demonstrando dessa forma Sua misericórdia e bondade de outro modo ainda (cf. Salmos 145:9,15; Mateus 7:22; Lucas 6:35,36). Esse é provavelmente o sentido de 1 Timóteo 4:10, que diz que Deus é o “Salvador de todos os homens, especialmente dos que crêem”. Aqui “Salvador” não significa restritamente “quem perdoa pecados e dá vida eterna”, porque tais coisas não são dadas aos que não crêem. “Salvador” deve ter aqui um sentido mais geral — a saber, “quem resgata da miséria, quem liberta”. Em caso de pobreza e miséria, Deus muitas vezes ouve as orações dos descrentes e os livra graciosamente de seus problemas. Além disso, mesmo os descrentes muitas vezes possuem um senso de gratidão para com Deus pela bondade da criação, pela libertação em meio ao perigo e pelas bênçãos da família, do lar, das amizades e do país.

7. A graça comum não salva pessoas. A despeito de tudo isso, devemos perceber que a graça comum é diferente da graça salvadora. A graça comum não muda o coração humano nem traz pessoas ao genuíno arrependimento ou à fé — ela não pode salvar e não salva pessoas (embora na esfera intelectual e moral ela possa preparar as pessoas para torná-las mais dispostas a aceitar o evangelho). A graça comum refreia o pecado, mas não muda a disposição fundamental de pecar nem purifica a natureza humana decaída.

Devemos também reconhecer que as ações que os descrentes realizam por causa da graça comum não merecem a aprovação ou o favor de Deus. Essas ações não procedem da fé (“tudo o que não provém da fé é pecado”, Romanos 14:23) nem são motivadas pelo amor a Deus (Mateus 22:37), e sim pelo amor ao ego sob uma ou outra forma. Portanto, embora possamos prontamente dizer que as obras dos descrentes que se conformam externamente às leis de Deus são “boas” em algum sentido, contudo elas não são boas em termos de merecer a aprovação de Deus nem de tornar Deus endividado para com o pecador em sentido algum.

Finalmente, devemos reconhecer que os descrentes muitas vezes recebem mais graça comum que os crentes — eles podem ser mais habilidosos, trabalhar com mais esforço, ser mais inteligentes, mais criativos ou ter mais dos benefícios materiais desta vida para desfrutar. Isso não indica de forma alguma que eles são mais favorecidos por Deus no sentido absoluto ou que eles vão ganhar qualquer coisa relativa à salvação eterna, mas significa somente que Deus distribui as bênçãos da graça comum de vários modos, muitas vezes concedendo bênçãos bastante significativas a descrentes. Em tudo isso, obviamente, eles devem tomar consciência da bondade de Deus (Ateus 14:17) e reconhecer que a vontade revelada de Deus é que essa “bondade de Deus” finalmente os conduza “ao arrependimento” (Romanos 2:4).



C. Razões para a graça comum

Por que Deus concede graça comum a pessoas imerecedoras que nunca virão à salvação? Podemos sugerir ao menos quatro razões.

1. Para redimir os que serão salvos. Pedro diz que o dia do juízo e da execução final de punição está sendo retardado porque há ainda mais pessoas que serão salvas. “O Senhor não demora em cumprir a sua promessa, como julgam alguns. Ao contrário, ele é paciente com vocês, não querendo que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao arrependimento.” (2 Pedro 3:9,10). De fato, essa razão foi verdadeira desde o princípio da história humana, pois, se Deus quisesse salvar qualquer pessoa entre todos que compõem a humanidade pecaminosa, Ele não poderia destruir todos os pecadores imediatamente (nesse caso não sobraria ninguém da raça humana). Ao contrário, Ele resolveu permitir que seres humanos pecaminosos vivessem algum tempo de modo a ter uma oportunidade de arrependimento e também para que pudessem gerar filhos, capacitando gerações subseqüentes a viver, a ouvir o evangelho e se arrepender.

2. Para demonstrar a bondade e a misericórdia de Deus. A bondade e a misericórdia de Deus não são vistas somente na salvação dos crentes, mas também nas bênçãos que Deus dá aos pecadores que não as merecem. Quando Deus “é bondoso para com os ingratos e maus” (Lucas 6:35), essa bondade é revelada no universo, para a Sua glória. Davi diz: “O Senhor é bom para todos; a sua compaixão alcança todas as suas criaturas” (Salmos 145:9). Na história de Jesus conversando com o moço rico, lemos: “Jesus olhou para ele e o amou” (Marcos 10:21), embora o homem fosse um descrente que no mesmo instante afastou-se de Jesus porque possuía muitas riquezas. Berkhof diz que Deus “derrama incontáveis bênçãos sobre todos os homens e também indica claramente que elas são expressões de uma disposição favorável de Deus que, contudo, fica muito aquém da volição positiva exercida para lhes perdoar, suspender a sentença a eles imposta e assegurar-lhes a salvação”.

Não é injusto Deus retratar a execução da punição do pecado e dar temporariamente bênçãos aos seres humanos, porque a punição não é esquecida, mas apenas retardada. Retardando a punição, Deus mostra claramente que não tem prazer em executar o juízo final, mas, ao contrário, Ele se deleita na salvação de homens e mulheres. “Juro pela minha vida, palavra do Soberano, o SENHOR, que não tenho prazer na morte dos ímpios, antes tenho prazer em que eles se desviem dos seus caminhos e vivam” (Ezequiel 33:11). Deus “deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1 Timóteo 2:4). Em tudo isso o tempo de espera da punição dá uma evidência clara da misericórdia, bondade e amor de Deus.

3. Para demonstrar a justiça de Deus. Quando repetidamente Deus convida os pecadores a virem à fé e repetidamente eles recusam os Seus convites, a justiça de Deus em condená-los é vista muito mais claramente. Paulo adverte que quem persiste na incredulidade está simplesmente acumulando a ira para si mesmo: “Contudo, por causa da teimosia e do seu coração obstinado, você está acumulando ira contra si mesmo, para o dia da ira de Deus, quando se revelará o seu justo julgamento” (Romanos 2:5). No dia do juízo todas as bocas serão silenciadas (Romanos 3:19), e ninguém será capaz de contrapor que Deus foi injusto.

4. Para demonstrar a glória de Deus. Finalmente, a glória de Deus é mostrada de muitas formas pelas atividades dos seres humanos em todas as áreas nas quais a graça comum está em operação. No desenvolvimento e no exercício do domínio sobre a terra, homens e mulheres demonstram e refletem a sabedoria do seu Criador, comprovam as qualidades dadas por Deus, as virtudes morais e a autoridade sobre o universo, e coisas semelhantes. Embora todas essas atividades sejam contaminadas por motivos pecaminosos, elas apesar disso refletem a excelência de nosso Criador e, portanto, trazem a glória a Ele, não de forma plena e perfeita, mas ainda assim significativa.

C. Nossa resposta à doutrina da graça comum

Pensando sobre as várias espécies de bondades vistas na vida dos descrentes por causa da graça comum que Deus dá abundantemente, devemos ter em mente três pontos.

1. Graça comum não significa que quem a recebe será salvo. Mesmo uma porção excepcional de graça comum não significa que quem a recebe será salvo. Até as pessoas mais habilidosas, mas inteligentes, mais ricas e poderosas no mundo ainda carecem do evangelho de Jesus Cristo ou serão condenadas eternamente! Os nossos vizinhos mais bondosos e de moral mais elevada ainda carecem do evangelho de Jesus Cristo ou serão condenados eternamente! Exteriormente pode parecer que eles não têm necessidade algumas, mas a Escritura ainda diz que os descrentes são “inimigos de Deus” (Romanos 5:10; cf. Colossenses. 1:21; Tiago 4:4) e são “contra” Cristo (Mateus 12:30). Eles são “inimigos da cruz de Cristo” e “só pensam nas coisas terrenas” (Filipenses 3:18,19), sendo “por natureza merecedores da ira” (Efésios 2:3).

2. Devemos ser cuidados em não rejeitar as coisas boas que os descrentes fazem, considerando-as totalmente más. Pela graça comum os descrentes fazem algumas coisas boas, e devemos ver a mão de Deus nelas, sendo agradecidos por elas, como por exemplo nas amizades, em cada ato de bondade, no que elas trazem de bênçãos para outras pessoas. Tudo isso — embora o descrente não o saiba — procede em última análise de Deus, e Deus merece a glória por tudo.

3. A doutrina da graça comum deveria estimular nosso coração à gratidão muito maior a Deus. Quando descemos uma rua e vemos casas, jardins e famílias vivendo em segurança, ou quando negociamos no mercado e vemos os resultados abundantes do progresso tecnológico, ou quando andamos pelos bosques e vemos a beleza da natureza, ou quando somos protegidos pelas autoridades, ou quando somos educados no vasto conhecimento humano, devemos perceber não somente que Deus, em Sua soberania, é o responsável último por todas essas bênçãos, mas também que Deus as tem concedido aos descrentes, embora eles não tenham absolutamente nenhum mérito com relação a elas! Essas bênçãos no mundo não são apenas evidências do poder e sabedoria de Deus, mas a manifestação contínua da Sua graça abundante. A percepção deste fato deveria fazer nosso coração se encher de gratidão a Deus em cada atividade de nossa vida.

 Fonte: Teologia Sistemática, Wayne Grudem.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

O Dom de Línguas Hoje

Dada a IGNORÂNCIA BÍBLICA ATUAL, segue Mais uma vez o assunto já tão  discorrido:

O DOM DE LÍNGUAS  HOJE- 

O grande número de igrejas e doutrinas diferentes que caracterizam nosso tempo tem trazido as mais diversas dúvidas aos membros das igrejas históricas. Um desses dilemas é o “dom de línguas”. É muito divulgada, no meio evangélico, a ideia de que o crente espiritual deve falar em línguas para que cresça em comunhão com Deus, ou como resultado natural de um profundo conhecimento e experiência com ele.Dom de Linguas

O resultado é que crentes sinceros passam a se preocupar com sua saúde espiritual e com a comunhão da sua denominação com Deus ao verem outras denominações repletas de prodígios, revelações e línguas. As próprias denominações históricas ficam, na mente de muitos, relegadas a um plano de superficialidade espiritual, rotuladas de “igrejas frias”.

Nossa intenção é averiguar o que e Bíblia realmente ensina sobre o dom de línguas e comparar com as práticas e ensinos modernos a fim de nos posicionarmos diante desse dilema e seguirmos o ensino de Deus por intermédio dos apóstolos e profetas.

O que é o dom de línguas?

A Bíblia expõe o dom de línguas como uma capacitação sobrenatural que permitia que algumas pessoas falassem das grandezas de Deus em outro idioma sem que nunca o tivessem aprendido. O dom de línguas descrito na Bíblia não era fruto de exercícios ou de aprendizado, mas um “dom”, algo dado por Deus. Outra característica marcante desse dom é que ele não estava ao alcance de todos. Todo cristão recebia, e ainda recebe, algum dom do Espírito Santo. Porém, o dom não era escolhido pelas pessoas, mas dado pela vontade de Deus para a edificação do corpo de Cristo (1Co 12.28-30; 1Pe 4.10,11).

Além de cada crente possuir um dom distinto, em todas as relações de dons espirituais da Bíblia, o dom de línguas sempre aparece nos últimos lugares, a não ser em 1Coríntios 13, onde Paulo discorre sobre a inutilidade dos dons sem a presença do amor. O fato é que o dom de línguas ocupava uma posição secundária no plano de edificar a igreja. Tinha como principal objetivo ser um sinal aos incrédulos e não aos crentes. Apontava para o juízo de Deus que recairia sobre Israel por ter rejeitado o Senhor Jesus (1Co 14:21-22 cf. Dt 28:45-46,49).

As línguas pronunciadas por aqueles que possuíam o referido dom eram de natureza terrena. No Novo testamento, duas palavras são usadas para se referir a línguas: Glossa e Dialéktos. A primeira significa “idiomas”, ou língua (órgão anatômico). A segunda significa “idioma” ou “dialeto”. Esses sentidos apontam para línguas terrenas, idiomas utilizados ao redor do mundo.

Apesar da clareza dos termos, parte da confusão sobre o dom de línguas no Brasil se deve à tradução da versão “Almeida Revista e Corrigida”. Ela traduz a palavra glóssais (línguas) em 1Co 14.5,6,23, com a expressão “línguas estranhas”. Isso deu margem ao entendimento equivocado de que as línguas fossem estranhas à raça humana, justificando a produção de sons e sílabas sem qualquer sentido ou a crença de se tratar de um idioma exclusivo dos anjos. Essa certamente não era a intenção dos tradutores da versão Almeida, pois resolveram este mal-entendido na versão “Almeida Revista e Atualizada”, com a expressão “outras línguas”.

A afirmação de que as línguas faladas pelos discípulos eram “línguas de anjos” não é verdadeira. Paulo combate os desvios e maus usos do dom de línguas em 1Coríntios 14 normatizando sua utilização, cortando os excessos cometidos na igreja e proibindo algumas pessoas de exercê-lo no culto público. A preparação para esse tratamento começa no capítulo anterior: “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine” (1 Co 13.1). Paulo comparou as pessoas que falavam em outras línguas, mas que não amavam seus irmãos, a sinos ou gongos metálicos cuja única função era fazer barulho quando golpeados. Eram homens e mulheres que não desenvolviam sua habilidade sobrenatural para o bem dos outros, nem para o crescimento do corpo de Cristo, mas para exibição pessoal e para serem admirados e invejados.

O apóstolo estava tão preocupado com a situação que, ao mostrar a necessidade do amor, utilizou uma figura de linguagem chamada hipérbole. A hipérbole consiste no exagero de uma expressão a fim de realçar uma idéia ou demonstrar a forte intensidade de um sentimento. Os três primeiros versículos do capítulo 13 são expostos sob esse prisma. No v. 1 Paulo diz que falar “muitas” línguas sem amor é algo inútil e sem propósito. Ele estende o raciocínio e afirma que o mesmo se daria se alguém falasse até mesmo a linguagem dos anjos. Devemos notar que não há relatos na Bíblia de uma língua específica de anjos, pois em todas as vezes que os anjos falaram com os homens, o fizeram em idiomas humanos. Paulo falou sobre “língua dos anjos” em 1Co 13.1 para ressaltar, por meio de uma hipérbole, que não importava o quanto os irmãos de Corinto se impressionavam com esse dom – o amor era maior e necessário.

Portanto, quando a Bíblia fala sobre o dom de línguas ela se refere a uma “capacitação exterior ao homem que o habilita a falar da glória de Deus em outro idioma humano não conhecido para aquele que fala.”

O dom de línguas é sinal de espiritualidade?

Dois livros bíblicos que tratam sobre o dom de línguas são Atos e 1Coríntios. Atos não é um livro fundamentalmente normativo ou doutrinário. É uma obra histórica que narra corretamente os primeiros anos da Igreja cristã. Por sua vez, 1Coríntios é um livro doutrinário que traça normas claras de conduta visando ao desenvolvimento da igreja. Apesar da diferença de enfoque, ambos os livros apontam para a mesma realidade a respeito das línguas.

É possível notar no livro de Atos que o dom de línguas não era sinal de maturidade espiritual. Apesar de sua primeira aparição ter-se dado em 120 “discípulos de Cristo” (At 2), em outras ocasiões se deu em recém-convertidos (At 10.44-46; 19.6,7). Em resumo, o livro de Atos olha para o dom de línguas de uma maneira positiva. Ele é a demonstração da vinda do Espírito Santo sobre a Igreja como Jesus prometeu (At 1.8 cf. Jo 14.16; 15.26; 16.7) e da habitação do Espírito Santo em cada crente a partir da sua conversão (At 2.38 cf. Ef 1.13,14).

Em 1Coríntios, o apóstolo Paulo trata do dom utilizado por crentes que, tendo condições de serem espirituais, comportavam-se ainda como carnais e mundanos (1Co 3.1,2). A igreja de Corinto, apesar de ser rica em dons, não era uma igreja espiritual.

Mais uma característica do ensino de 1Coríntios é que em parte alguma Paulo ensina que “todos” os crentes deviam falar em línguas. Em lugar disso ele afirma que cada crente recebe um dom dado segundo a vontade de Deus (1Co 12.11) para a edificação da igreja. O fato de Paulo associar a falta de amor ao dom de línguas dentro da igreja de Corinto (1Co 13.1; 14.1) demonstra que alguns tinham dons desejados pela maioria – como falar em línguas – e outros não, sendo esse o motivo da soberba dos que falavam e dos ciúmes dos que não falavam (1Co 13.4 – “... o amor arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece.”). Além disso, Paulo afirma expressamente que nem todos possuíam o dom de línguas (1Co 12.28-30).

Devido à inutilidade do dom de línguas sem que houvesse interpretação (1Co 14.9,16-19) e dos danos que podia causar ao Evangelho entre os visitantes (1Co 14.23-25), Paulo também deu normas e proibições para o uso do dom de línguas no culto público. Assim, não poderiam falar no culto todas as pessoas que tinham o dom de línguas, mas apenas duas ou, “no máximo”, três, no momento adequado e não ao mesmo tempo. Se ao falar não houvesse ninguém na igreja que pudesse entender o idioma e traduzir para o restante da igreja, quem estava falando deveria se calar. Paulo diz que se não houvesse interpretação ninguém seria edificado (1Co 14.27,28).

Quando o dom de línguas era exercido segundo essas regras, ele não podia ser proibido (1Co 14.39,40). Paulo também afirma que a espiritualidade dos crentes que falavam em outras línguas poderia ser avaliada não pelo fato de falarem, mas pelo fato de se submeterem a tais orientações (1Co 14.37,38).

Há diferenças entre as línguas de hoje em relação às dos do ‘Novo Testamento’?

Atualmente, o que se conhece por dom de línguas guarda diferenças marcantes entre o dom descrito e normatizado nas páginas no Novo Testamento. Quando olhamos para o fenômeno das línguas na igreja moderna, percebemos que ele difere diametralmente do dom na igreja primitiva. Algumas características das línguas da atualidade são:

Elas são consideradas sinal de espiritualidade e demonstração de que o Espírito Santo age de uma maneira mais profunda naqueles que as falam.
Todos os crentes são encorajados a falar em línguas para progredirem espiritualmente.
Há momentos no culto público em que todos, ou grande parte das pessoas, falam em línguas simultaneamente.
Não se trata de idiomas, mas de sílabas unidas ao acaso e sem significado ou repetições de palavras e fonemas.
São ensinados métodos para que pessoas que não falam em línguas possam aprender a falar por meio de relaxamento ou de treino.
As línguas não são traduzidas a fim de haver edificação da igreja e evangelização dos visitantes incrédulos.
Há grande resistência quanto à aceitação e aplicação das normas que Paulo deu para o uso do dom de línguas.
De onde vieram os conceitos atuais sobre o dom de línguas?

Uma análise histórica entre os séculos I2 e 19 mostra que os teólogos de maior expressão, tanto da antiguidade como da reforma protestante, não exerciam nem ensinaram a prática do dom de línguas. Durante todo esse tempo, a maioria dos casos em que esporadicamente se ouve falar sobre o dom de línguas é entre grupos como montanistas, jansenistas (católicos pietistas), quacres, shakers e mórmons.

Entretanto, o início marcante do dom de línguas da atualidade veio por intermédio do movimento conhecido como “Avivamento da Rua Azusa”, fundado em 1906 por William J. Seymour. Ele se inspirou em Charles Fox Parham, pioneiro da idéia de que o sinal específico do batismo do Espírito Santo é “falar em línguas”.

A análise bíblica e histórica do dom de línguas e a presença de inúmeras contradições e diferenças entre o uso atual das línguas e o uso na igreja primitiva levam-nos à conclusão de que o dom de línguas atual não é, de modo algum, a mesma experiência que a igreja apresentou no primeiro século. As normas paulinas são o divisor de águas entre as línguas do passado e as de hoje.

Qual foi o propósito do dom no ‘Novo Testamento’?

A constatação da descontinuidade do dom de línguas descrito no Novo Testamento em relação à experiência atual levanta algumas perguntas. Uma delas é: “Se o dom de línguas da igreja primitiva não servia aos propósitos difundidos na atualidade, qual era sua real função?”.

Em 1Coríntios 14, Paulo não apenas proibiu o uso indevido do dom de línguas e o graduou como secundário na edificação da igreja. Paulo também revelou o propósito “principal” das línguas: servir como um “sinal” de Deus para os incrédulos (1Co 14.22).

Deuteronômio 28 contém dois tipos de promessa de Deus aos judeus. O primeiro é a promessa de bênçãos pela obediência dos judeus ao Senhor (Dt 28.1-14). O segundo é a promessa de castigo pela desobediência (Dt 28.15-68). Em meio à lista de castigos prometidos ao povo judeu caso “não dessem ouvidos à voz do Senhor”, um deles fica em destaque: “O SENHOR levantará contra ti uma nação de longe, da extremidade da terra virá, como o vôo impetuoso da águia, nação cuja língua não entenderás; nação feroz de rosto, que não respeitará ao velho, nem se apiedará do moço. Ela comerá o fruto dos teus animais e o fruto da tua terra, até que sejas destruído; e não te deixará cereal, mosto, nem azeite, nem as crias das tuas vacas e das tuas ovelhas, até que te haja consumido. Sitiar-te-á em todas as tuas cidades, até que venham a cair, em toda a tua terra, os altos e fortes muros em que confiavas; e te sitiará em todas as tuas cidades, em toda a terra que o SENHOR, teu Deus, te deu. Comerás o fruto do teu ventre, a carne de teus filhos e de tuas filhas, que te der o SENHOR, teu Deus, na angústia e no aperto com que os teus inimigos te apertarão” (Dt 28.49-53).

Essa é a promessa de um grande castigo de Deus pela desobediência de Israel usando como instrumento de castigo uma nação poderosa. Essa nação seria estrangeira, pois falaria uma língua não seria entendida pelos israelitas. Esse povo, por fim, traria grande destruição e mortandade a Israel. Pouco antes de decretar tal punição, o Senhor revelou que esses eventos seriam um “sinal” para os israelitas de que eles estavam sob a mão punitiva de Deus (Dt 28.46,47). Essa promessa se cumpriu algumas vezes de maneira clara e arrebatadora. Três datas notáveis desse cumprimento foram 722 a.C., 587 a.C. e 70 A.D.

Em 722 a.C., quando Israel estava divido em dois reinos – o reino do norte (Israel) com suas dez tribos, e o reino do sul (Judá) formado pelas tribos de Judá e Benjamim – o reino do norte foi devastado pelos assírios e o povo foi levado cativo para a Assíria, onde foi miscigenado com outros povos (2Re 17.5,6,22,23). Em 587 a.C., o mesmo aconteceu ao reino do sul (Judá). Jerusalém, capital de Judá, foi destruída junto com o Templo que Salomão havia construído para o culto a Deus. Os habitantes foram exilados na Babilônia até o ano 539 a.C. (2Re 25.8,9).

Prevendo esse tipo de punição, o Senhor enviou profetas para alertar o povo dos seus pecados, conclamá-los ao arrependimento e anunciar o juízo caso não mudassem seu modo de agir. Entre esses alertas dois deles chamam a atenção para si:

a) Isaías pregou arrependimento ao povo garantindo que Deus os perdoaria e purificaria. Contudo, alertou que a obstinação deles os tornaria alvo de “espada” (Is 1.16-20). Infelizmente, o povo não deu ouvidos à voz do Senhor. Isaías, então, profetizou a punição de Deus e disse que nem mesmo o castigo e o sinal de uma “língua estranha” seriam capazes de produzir arrependimento na nação de Israel (Is 28.11,12 cf. v.1).

b) Deus falou à nação de Judá, por meio de Jeremias, convidando-a ao arrependimento e à purificação (Jr 3.14,15). A exemplo de Israel, Judá também não deu ouvidos à voz do Senhor. Portanto, Deus usou a Babilônia, sob o comando de Nabucodonosor, para castigar Judá. Nesse caso, o “sinal” do juízo de Deus também foi dado por meio de um povo destruidor, cuja língua eles não entendiam (Jr 5.12-17).

Nos dias no Novo Testamento também houve uma grande destruição em Jerusalém (70 A.D.) e em todo o país. Os acontecimentos da guerra entre os judeus e os romanos (66–70 A.D.) não foram narrados nas Escrituras, mas a História não os deixou passar em branco. O historiador Flávio Josefo conta que Vespasiano derrotou e devastou toda a Galiléia, Peréia e Iduméia e partiu em direção a Jerusalém. Nessa época, a cidade estava tomada e dividida por três partidos de judeus que se destruíam mutuamente. Crimes, roubos e assassinatos aconteciam à luz do dia. Qualquer um que tentasse fugir de Jerusalém era morto. Essa guerra civil custou o próprio mantimento de trigo que serviria para sustentar anos de cerco. A fome e o roubo de mantimentos pelos rebeldes em Jerusalém chegaram a níveis insuportáveis.

Quando Vespasiano foi feito imperador, seu filho Tito assumiu o comando do exército romano e sitiou Jerusalém. Em quinze dias tomou o primeiro muro e em mais nove, o segundo. Restando apenas a terceira muralha e o muro do Templo, Tito ofereceu, em vão, a paz aos judeus. Como não houve rendição, depois de quatro meses de cerco o Templo foi invadido e, mesmo contra as ordens de Tito, foi queimado e destruído. Quinze dias depois Jerusalém estava completamente destruída e quem passasse por ali teria dificuldades em acreditar que ali fora um centro populoso. Os números da guerra, não levando em conta o quase meio milhão de judeus mortos em todo o território palestino e egípcio, foram: 97 mil prisioneiros e 1,1 milhão mortos em Jerusalém por crimes, fome, peste e guerra.

O motivo de tamanha destruição foi o mesmo de 722 a.C. e 587 a.C: desobediência às ordens de Deus. Quatro décadas antes Jesus pregou entre os judeus e se apresentou como Deus e Salvador. Ele transmitiu à nação as palavras e promessas de Deus a respeito da redenção mediante o arrependimento e a fé no Filho (Jo 10.24-26,30; 14.6). O livro de Hebreus diz que Jesus falou aos homens do seu tempo assim como Deus falou com os antigos por meio dos profetas (Hb 1.1,2).

Infelizmente, a reação dos judeus a tais palavras não foi fé e obediência, mas rejeição e morte a Jesus (Jo 19.15,16). Novamente o povo deixou de obedecer e “não deu ouvidos à voz do Senhor”. Desse modo, Judá seria punida mais uma vez. O vislumbre do castigo que traria destruição a Jerusalém e ao Templo fez com que Jesus anunciasse e lamentasse a terrível tragédia (Mt 24.1,2; Lc 19.41-44; 21.20-24).

Como das outras vezes, Deus levantou uma nação poderosa para trazer castigo pela incredulidade e desobediência dos judeus. A diferença é que, dessa vez, o instrumento usado por Deus (o povo romano) dominava sobre os israelitas havia mais de cem anos. Como Deus prometeu que os castigos descritos em Deuteronômio 28 seriam “um sinal aos judeus para sempre” (Dt 28.46,47), ele possivelmente decidiu sinalizar o castigo por meio da Igreja. Para esse fim a Igreja passou a sinalizar tal juízo por intermédio de línguas estrangeiras que não eram entendidas pelo povo judeu. Por esse motivo Paulo diz que as línguas não eram para crentes, mas para incrédulos (1Co 14.21,22). O povo que rejeitou e matou o Deus Filho estava sendo alertado sobre a dura punição que recairia sobre eles e sendo convidado ao arrependimento.

A primeira vez que o dom de línguas ocorreu na História foi cinquenta dias após a morte de Jesus. Os 120 discípulos de Cristo que receberam o Espírito Santo começaram a falar em outros idiomas na presença de grande multidão de judeus incrédulos de todas as partes do mundo. Ao ficarem espantados por verem galileus iletrados falando correta e claramente em idiomas de terras distantes, esses judeus incrédulos foram repreendidos por Pedro a respeito do que fizeram com Jesus (At 2.22-24). Em vista disso, muitos deles se arrependeram e buscaram um meio de fugir da condenação por tão grande crime. Para eles Pedro ordenou que se arrependessem e se convertessem do caminho dos perversos (At 2.37-40). Diante da pregação e do anúncio da culpa 3 mil judeus foram convertidos somente nesse dia (At 2.41).

Desse modo, encontramos o propósito da concessão do dom de línguas à Igreja. Ele foi o sinal que Deus enviou aos incrédulos que apontava para o juízo que recairia sobre eles. E o fato de uma pequena porcentagem ter crido em tais promessas demonstra que o propósito do dom de línguas não era primariamente evangelizar os incrédulos, mas trazer sobre eles o juízo de Deus.

O dom de línguas ainda existe hoje?

O juízo que o dom de línguas sinalizava aconteceu no ano 70 A.D. Estando Jerusalém destruída por sua rejeição a Jesus e às palavras de Deus, o dom “atingiu seu propósito”. Não havia, a partir de então, o que ser sinalizado diante dos judeus e, assim, o sinal “deixou de ser necessário”. Por isso, o dom de línguas cessou após a destruição de Jerusalém no ano 70 A.D.

Na verdade, esse não é o único exemplo na Bíblia que mostra que Deus usa um sinal somente até que o fato sinalizado aconteça. Encontramos um bom exemplo em Colossenses 2.16,17. Paulo ensina aos colossenses que eles não deviam seguir os aspectos cerimoniais da Lei judaica por serem “sombras das coisas que haveriam de vir”. Em outras palavras, eram sinais e símbolos de aspectos da obra redentora de Cristo que seriam cumpridos com sua vinda. Depois que Cristo consumou sua obra, esses sinais perderam a utilidade. Por isso não fazemos mais sacrifícios, nem guardamos o sábado, nem nos abstemos de alimentos que eram considerados impuros. De forma semelhante, o dom de línguas deixou de existir assim que Jerusalém foi destruída.

Conclusão

Portanto, o dom de línguas não mais existe desde a destruição de Jerusalém pelos romanos na segunda metade do século 1, em meio à incrível mortandade de israelitas.

Se as línguas de hoje são tão confusas e diferentes do que a Bíblia relata e ensina, é por serem uma tentativa de fazer artificialmente o que o Espírito Santo fez no passado com um propósito definido que não existe mais. É por isso que, em vez de buscar falar em línguas, os cristãos de hoje devem “dar ouvidos à voz do Senhor” e priorizar o serviço e o amor a Deus e aos homens com um coração fiel, submisso e transformado.

- Pr. Thomas Tronco