quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

CESSACIONISMO!

  Fico imaginando o que eu diria se fosse entrevistado sobre a cessação e a continuação dos dons espirituais mencionados na Bíblia, e daí nasceu esta sessão fictícia de perguntas e respostas. As perguntas estão em negrito e itálico.

Os dons espirituais cessaram?

Primeiro é necessário definir a que dons nos referimos. Acredito que o Espírito continua até hoje a conceder à Igreja a maioria dos dons mencionados na Bíblia. Mas, tenho a impressão que outros dons foram concedidos somente por um tempo a determinadas pessoas, para atender aos propósitos de Deus para aquela época. Estes não estariam mais disponíveis hoje. Por isto, é necessário, antes de qualquer coisa, esclarecer a que dons estamos nos referindo quando dizemos que os dons cessaram ou que continuam.
Outra coisa a ser levada em consideração é que, de acordo com a história bíblica, Deus não agiu sempre da mesma maneira em todas as épocas. Há muitas ações miraculosas e sobrenaturais que ocorreram somente uma vez ou durante um tempo específico e não foram repetidas. Portanto, por princípio, devemos admitir que Deus é soberano para agir de diferentes maneiras através da história, e que dentro desta ação, ele concede diferentes dons a diferentes pessoas em diferentes épocas. Assim, não podemos nem restringir a ocorrência de determinados dons somente a um período da história e nem requerer que todos os dons terão necessariamente de ocorrer em todos estes períodos.

Então, você não se definiria como um cessacionista?

Se por cessacionista você quer dizer uma pessoa que não acredita que o Espírito Santo conceda dons espirituais à sua Igreja nos dias de hoje, é claro que não sou cessacionista. Se, por outro lado, um continuísta seria alguém que acredita que todos os dons espirituais mencionados na Bíblia estão disponíveis hoje à Igreja, bastando ter fé para recebê-los, é claro que também não sou um continuísta. Creio num caminho intermediário para o qual ainda não achei um nome. Não posso ser chamado de cessacionista e nem de continuísta, pois creio que alguns dons continuam como eram no Novo Testamento, outros cessaram e outros continuam apenas em parte.

Bem, a discussão moderna gira mais em torno dos dons chamados sobrenaturais, como curas, línguas, profecias… se Deus é o mesmo hoje, ontem e eternamente, estes dons não estariam disponíveis hoje, como estavam na época dos apóstolos?

Poderíamos perfeitamente aplicar a estes dons e outros o princípio acima, de que Deus age de maneiras diferentes em épocas diferentes. Não podemos confundir a imutabilidade de Deus – que significa que ele não muda em seu ser e seus atributos – com a “mesmice” de Deus, que significa que ele sempre age da mesma forma. Teoricamente, ele poderia ter concedido os dons relacionados com curas, línguas e profecias a algumas pessoas durante o período apostólico e uma vez cessado aquele período, suspendido a atuação dos mesmos. Não vejo em que admitir isto afeta a imutabilidade de Deus ou diminui o seu poder e sua glória. Querer que Deus sempre atue da mesma maneira, isto sim, engessa Deus num padrão rígido e não admite que Ele tenha maneiras diferentes de agir em épocas diferentes para atingir seus propósitos.

Mas o que havia de tão especial no período apostólico para Deus conceder estes dons sobrenaturais?

Foi o período de transição entre a antiga e a nova alianças. Teve a ver com a vinda de Jesus Cristo ao mundo e o cumprimento de todas as promessas que Deus havia feito a seu povo pelos profetas de Israel. Foi a inauguração dos últimos dias, do fim dos séculos, da última hora e do fim dos tempos. Foi a época em que o Espirito prometido foi derramado. Deus levantou os Doze e Paulo para através deles explicar e registrar estes fatos no Novo Testamento. Era necessário, portanto, que o período mais importante da história da redenção fosse marcado por sinais, prodígios e maravilhas feitos por pessoas extraordinárias como os apóstolos e seus associados. Era preciso deixar claro que era Deus quem estava por detrás daqueles acontecimentos e da mudança da aliança. Uma parte dos dons mencionados no Novo Testamento está relacionada diretamente com este período e com os apóstolos, como o dom de curar e fazer milagres e a profecia como veículo de novas revelações. O dom de línguas, aparentemente, estava também associado àquela época, como sinal externo da chegada do Espírito Santo aos diferentes grupos que compunham a Igreja em seu início (judeus, samaritanos, gentios e discípulos de João Batista). Mas, parece que ele servia a outros propósitos além deste mencionado.

A questão é que estes dons aparecem em algumas das listas de dons espirituais do Novo Testamento como ferramentas do Espírito dadas a todos os crentes para edificar a igreja de Cristo. E agora?

Não vejo dificuldades. Estas listas aparecem em Efésios 4, Romanos 12, 1Coríntios 12 (2 listas) e 1Pedro 4. O que precisamos é definir com mais precisão o que significam cada um destes dons. O que significa, por exemplo, o dom de profetizar, que aparece nestas listas? Os crentes que tinham o dom de profetizar nas igrejas cristãs eram profetas iguais a Isaías e Jeremias, que foram capazes de predizer o futuro de Israel e das nações com incrível precisão? Ou será que os profetas cristãos se limitavam a edificar, exortar, consolar e instruir as igrejas, como Paulo diz em 1Coríntios 11:3 e 31? E o que significa o dom de curar e de realizar milagres? Por que só encontramos este dom associado ao ministério dos apóstolos? E por falar nisto, o que significa “apóstolo” na lista de Efésios 4? O termo pode significar tão somente enviados, missionários, sem qualquer relação com os Doze e Paulo. Infelizmente as pessoas não levam em conta que existem determinados aspectos da função do profeta, do ofício do apóstolo e mesmo do dom de línguas, os quais parecem estar relacionados somente àquela época. Se levarmos em conta estas coisas, podemos até dizer que todos os dons continuam hoje, mas que alguns aspectos ou atributos deles cessaram após o período dos apóstolos.

E qual seria então o critério para dizermos quais os dons que permanecem para os dias de hoje e quais os que cessaram?

Acredito que a regra de ouro é esta: todos os dons que foram veículos de novas revelações ou que estavam ligados diretamente aos instrumentos das revelações, que foram os apóstolos, cessaram com a morte deles. Ilustrando, o dom de profecia continua hoje, conforme entendo, mas somente enquanto exortação, consolo, confrontação pela Palavra. Já o aspecto revelatório da profecia que vemos, por exemplo, em João ao escrever Apocalipse, ou em Paulo e Pedro ao prever como será o futuro, a vinda de Cristo, a ressurreição dos mortos, etc., isso certamente não faz parte da profecia hoje. Já cessou.
Da mesma forma o dom do apostolado. Se entendermos apóstolo como missionário, enviado das igrejas para pregar o Evangelho aos povos (é este o sentido básico do termo em grego), não vejo problemas em dizer que ainda hoje temos apóstolos entre nós, que são os missionários que vão desbravar campos ainda não atingidos pelo Evangelho. Mas, certamente não existem mais apóstolos no sentido dos Doze e Paulo, que viram o Senhor Jesus ressurreto, foram chamados diretamente por Ele pessoalmente ou numa aparição após a ressurreição, e que receberam não somente poderes extraordinários de curar e realizar milagres, como foram também veículos da revelação divina, tendo profetizado acerca do futuro de Deus para seu povo e o mundo. E mais, seus escritos às igrejas foram inspirados pelo Espírito Santo, de forma que são infalíveis e inerrantes, sendo a própria Palavra de Deus. Obviamente, nenhum dos que se intitulam de apóstolo hoje tem estas credenciais. Portanto, não podem ser considerados apóstolos como Pedro, Tiago, João e Paulo. Este é um dos dons que permanece hoje somente em parte.

Por este critério o dom de línguas teria cessado também?

Não necessariamente, pois, até onde eu entendo, ele não era revelacional, isto é, não era veículo de novas revelações, como a profecia. Acredito que o relato de Atos e de 1Coríntios 14 nos dão informações suficientes de que o conteúdo das línguas era o louvor a Deus (Atos 2:11; 10:46). O dom consistia na capacidade de louvar e exaltar as grandezas de Deus num idioma que a pessoa desconhecia, e que tinha de se traduzido para a edificação da igreja. Portanto, teoricamente, este dom não precisaria ter cessado pois não era revelacional. Todavia, temos indícios significativos da história da igreja de que ele cessou após o período apostólico. Na eventualidade de uma ocorrência genuína deste dom hoje, esperaríamos que fosse de acordo com as regras bíblicas de 1Coríntios 14: dois ou três falando, em sequência, e com interpretação. Como normalmente não é este o caso nas igrejas que dizem ter este dom, continuo tendo dúvidas de que o que está acontecendo nelas é a manifestação do genuíno dom de línguas. Mas, em tese, estou aberto para a ocorrência do dom genuíno.

Mas, então, isto quer dizer que os crentes que falam em línguas são mentirosos ou estão sendo influenciados pelo diabo?

Claro que não. Seria uma temeridade afirmar este tipo de coisa. Prefiro pensar que em boa parte das ocorrências são irmãos em Cristo sinceros que pensam estar de fato falando em línguas por terem sido ensinados desta forma dentro de determinados ambientes. Eles foram ensinados que falar em línguas é balbuciar palavras sem sentido num êxtase emocional. Há alguns que inclusive foram ensinados por seus pastores a como fazer isto, tipo “relaxe a língua, forme uma palavra desconhecida em sua mente e repita até que saia espontaneamente da sua boca…”

Não consigo perceber qual é o mal em se falar em línguas hoje nas igrejas. Qual o problema?

Se as línguas faladas não forem de Deus, a imitação delas deve trazer algum prejuízo ou perigo de natureza espiritual. Não posso afirmar ao certo, mas imagino que pode produzir arrogância, falsa espiritualidade, e abrir a porta para a atuação de demônios ou da natureza pecaminosa do homem. Na verdade, estes perigos estão presentes em qualquer manifestação que seja meramente humana, e não somente línguas.

Alguns diriam que você nunca falou em línguas porque nunca foi realmente batizado com o Espírito Santo…

Hehe, eu sei, já me disseram isto na cara, num congresso de irmãos pentecostais onde estive como visitante. Bom, a minha resposta é que  de acordo com Paulo todos os crentes verdadeiros já foram batizados com o Espírito Santo (1Cor 12:13) mas nem todos falam em línguas (1Cor 12:30). Se não for assim, terei de dizer que os reformadores e os grandes missionários da história da igreja nunca foram batizados com o Espírito Santo, pois nunca falaram em línguas. Todavia, se formos fazer uma comparação, eles fizeram mais pelo Reino de Deus do que estes que hoje insistem em dizer que as línguas são o sinal inequívoco do batismo com o Espírito Santo…

Mudando de assunto… Deus cura hoje?

Sem dúvida alguma. Eu mesmo já fui curado por Deus. Todavia é preciso fazer a diferença entre o dom de curar e as curas que Deus faz em resposta à oração. Aqueles que tinham o dom de curar – e parece que estava restrito aos apóstolos e seus associados – nunca falhavam. Cada vez que determinavam a cura, ela acontecia. Não há caso registrado de alguém com dom de curar, como Paulo e Pedro, terem comandado a cura que ela não tenha acontecido. E estamos falando da cura de cegos, coxos, aleijados, surdos e mudos, muitos dos quais nem tinham fé. E mesmo da ressurreição de mortos. Obviamente não apareceu depois dos apóstolos ninguém na história da Igreja, até os dias de hoje, com este mesmo poder. E estou falando de homens como Agostinho, Lutero, Calvino, Wesley, Whitefield, Hudson Taylor, Spurgeon, Moody e outros homens de Deus, que não podem ser acusados de não terem fé ou de serem carnais.
Isso não quer dizer que Deus deixou de curar depois dos apóstolos. Ele cura sim, ao responder as orações pode curar quando quiser. E nem sempre ele responde positivamente. Se fosse feita uma pesquisa, aposto que ela revelaria que existe proporcionalmente o mesmo número de doentes entre aqueles que dizem acreditar que o dom de curar existe hoje e aqueles que acham que já cessou. Isto é, vamos encontrar nos leitos dos hospitais proporcionalmente o mesmo número de membros doentes de igrejas que dizem ter o dom de curar e daquelas que não pensam assim.

Jesus disse certa feita que quem cresse nele faria os mesmos sinais que ele fez. Esta promessa é verdadeira ou não?

O que Jesus disse foi que eles fariam as mesmas obras. Ele não disse que fariam os mesmos sinais (ver João 14:12). Embora o termo “obras” possa se referir aos milagres dele, é mais provável que Cristo se referia à obra de evangelização e conquista de almas, que foi efetivamente a única obra que os apóstolos fizeram que era maior do que as realizadas por ele.  Dando as razões exegéticas para esta interpretação. A verdade é que nunca ninguém conseguiu superar os milagres de Jesus ao longo de dois mil anos de história do Cristianismo.

E quanto a sonhos e visões?

De acordo com o autor da carta aos Hebreus, Deus de fato se revelou de maneira extraordinária antes de Cristo, falando através dos profetas por meio de visões e sonhos, conforme encontramos no Antigo Testamento. Com a vinda do Senhor Jesus, que é a Palavra encarnada e portanto a última e maior revelação de Deus, estes modos de revelação cessaram, à medida que os apóstolos e escritores no Novo Testamento registraram de maneira infalível e definitiva esta última revelação.
Não digo que Deus não possa hoje se manifestar de maneira extraordinária a um crente. Mas, então, seria o caso de uma experiência pessoal, que não pode ter validade e utilidade pública e nem ser usada como meio para se impor alguma prática ou doutrina aos demais. A maneira geral, normal e esperada de Deus se comunicar conosco hoje é pelo Espirito falando pelas Escrituras e pela sua Providência, que é a maneira sábia pela qual Deus controla e governa os acontecimentos.

Vamos voltar ao dom de profecia. Afinal, ele existe hoje ou não?

Depende do que estamos falando. Os profetas do Antigo Testamento, como Isaías e Ezequiel por exemplo, receberam de Deus revelações quanto ao futuro de Israel, nas nações daquela época e da humanidade em geral. Estas revelações foram registradas em livros com o nome destes profetas e fazem parte da Bíblia. Além da profecia preditiva, os profetas exortavam o povo de Deus a que se arrependessem de seus pecados e voltassem à obediência da aliança. Na verdade, os livros deles trazem proporcionalmente muito mais exortações e advertências do que predições do futuro.
Os sucessores dos profetas do Antigo Testamento foram os apóstolos do Novo Testamento. Paulo, Pedro, João e os demais apóstolos também receberam revelações de Deus quanto ao futuro, a saber, a vinda de Cristo, a ressurreição dos mortos, o novo céu e a nova terra.
Os profetas das igrejas locais no período apostólico não eram iguais aos profetas do Antigo Testamento como Isaías, Jeremias, Oséias, Joel, Amós, etc. Entendo que o dom de profecia que aparece nas listas de dons do Novo Testamento se refere à capacidade dada por Deus a determinadas pessoas para trazerem uma palavra de Deus à igreja, baseada nas Escrituras, em momentos de crise e necessidade. O profeta exortava, edificava e instruía os crentes reunidos. Não vejo qualquer base para dizermos que o dom de profetizar no Novo Testamento é o poder para revelar o que está acontecendo na vida íntima dos outros ou anunciar o futuro da vida das pessoas. Se fosse feito um registro da quantidade de profecias deste tipo que se mostraram falsas, não cumpridas ou que são tão gerais que cabe tudo nelas, já teríamos concluído de vez que o dom de profetizar não é isto.

Mas, e o caso do profeta Ágabo no livro de Atos que profetizou por duas vezes acontecimentos futuros?

Ágabo profetizou por duas vezes fatos que estavam relacionados com a vida e o ministério do apóstolo Paulo, durante o período em que as Escrituras estavam sendo feitas e no qual Paulo era o principal protagonista. Me parece claramente uma situação excepcional e bastante diferente do período atual da história da igreja.

Não acha que essa sua posição acaba por extinguir e apagar o Espírito e impedir a ação de Deus no meio de seu povo? Não é este o pecado imperdoável, a blasfêmia contra o Espírito Santo?

Acho que o maior pecado contra o Espírito é desobedecer as orientações que Ele nos deu na Bíblia para examinarmos todas as coisas. Ele orientou os escritores bíblicos a escreverem aos crentes dizendo que eles deveriam estar atentos contra manifestações espirituais que não procediam de Deus, contra a ação de falsos profetas e falsos irmãos e mesmo contra a ação de espíritos enganadores que são capazes de realizar sinais e prodígios (Apocalipse 16:14). O Espírito nos chama a discernir os espíritos, a exercitar o bom senso e usar a razão. Pecamos contra o Espírito ao aceitarmos as manifestações espirituais de maneira crédula, sem exame ou análise, renunciando às orientações bíblicas e à nossa razão. É pela omissão dos crentes que os falsos profetas entram nas igrejas e disseminam heresias perniciosas.

Qual o seu comentário final aos leitores?

Não considero a questão da contemporaneidade dos dons como sendo uma daquelas que se acham no coração do cristianismo. Não estou negando a importância da discussão se todos os dons que aparecem na Bíblia estão disponíveis hoje ou não. A verdade é que cristãos verdadeiros que são cessacionistas ou continuístas têm o mesmo desejo, que é servir a Deus de todo coração e serem instrumentos de bênção para os outros. Por outro lado, se não tivermos uma compreensão clara de um assunto como este, poderemos não somente nos privar da verdade como também promover a mentira – em ambos os casos, mesmo que o prejuízo não seja fatal, certamente afetará a nossa vida e das pessoas ao nosso redor.

sábado, 3 de fevereiro de 2018

O Acróstico TULIP:

Introdução:
Em 1618, um sínodo eclesiástico reuniu-se em Dort, na Holanda, para definir os pontos principais da igreja reformada no tocante à doutrina bíblica acerca da salvação. Isso ocorreu devido a certas novidades teológicas, propostas por Jacó Armínio, que estavam tumultuando o contexto reformado e afastando alguns do ensino paulino defendido desde os dias da Reforma Protestante.
Para deixar bem claro e definido o que a igreja reformada cria, ensinava e defendia, o Sínodo de Dort fixou cinco pontos que ficaram conhecidos como Os cinco pontos do calvinismo. São eles:
1. Depravação total
2. Eleição incondicional
3. Expiação limitada
4. Graça irresistível
5. Perseverança dos santos
Em inglês, as iniciais dessa lista formam o acróstico “TULIP”, o nome de uma flor (em português, tulipa). Por isso, a figura da tulipa ficou associada à fé calvinista e, de vez em quando, a gente vê imagens dessa flor em sites, artigos e livros que defendem a doutrina reformada.
  Não somos calvinistas no sentido técnico e pleno da palavra (pois não somos aliancistas), mas somos calvinistas na nossa soteriologia, adotando os pontos fixados em Dort. O fato de sermos calvinistas num contexto teológico tão antropocêntrico ou  humanista  (que coloca o homem no centro ou exalta o ser humano) e tão reducionista na sua visão de Deus cria certos problemas. Muita gente se opõe aos nossos ensinos, pervertendo-os, alegando que dizemos coisas que nunca dissemos, torcendo o significado de versículos que embasam nossa fé e até negando a validade e a inerrância da Bíblia nas partes que mostram que estamos no caminho certo.
Há, porém, pessoas que são realmente sinceras no seu desejo de conhecer a antiga fé dos reformadores. Muitos, lendo a Bíblia com o coração aberto, ficam impactados com as doutrinas que foram ensinadas não somente por Calvino — mas por Agostinho, Gotescalco, Tomás de Aquino, João Huss, Guilherme de Occam, John Wyclif, Martinho Lutero, Ulrico Zuínglio, John Owen, Jonathan Edwards, George Whitefield, Charles Spurgeon e Abraão Kuyper (para citar somente alguns) — e entram em contato conosco para fazer perguntas sobre a “tulipa” dentre outros assuntos. É com o intuito de ajudar um pouco essas pessoas que escrevo este texto.
Nas seções seguintes, quero expor as cinco tocantes verdades da Tulipa. Então, todos poderão entender melhor as maravilhosas dimensões da soteriologia bíblica e, com razões muito mais sólidas, louvar a Deus por sua imensa graça.

A depravação total
Os teólogos dizem que as cinco verdades da Tulipa estão interligadas, de forma que a segunda decorre da primeira; a terceira, decorre da segunda; e assim por diante. Eles estão certos. De fato, os cinco pontos fixados em Dort compõem um sistema unificado e interdependente. Se um ponto for aceito, será muito difícil se livrar dos demais.
É por isso que os oponentes da Tulipa fazem de tudo para desacreditar o primeiro ponto de Dort, A depravação total. De acordo com esse ponto, o pecado afetou a totalidade da natureza humana, cada aspecto dela, não havendo nada que o homem, de si mesmo, consiga fazer para obter o favor divino.
Calvino disse que “todos os homens são concebidos em pecado e nascem como filhos da ira, indispostos a qualquer bem salvífico, com propensão para o mal, mortos no pecado e escravos da iniquidade; e, sem a graça regeneradora do Espírito Santo, eles não querem nem são capazes de se voltar para Deus, de corrigir sua natureza depravada ou mesmo de se disporem a isso”.
A base bíblica para essa doutrina é ampla: Gênesis 6.5; Salmos 51.5; Jeremias 17.9; João 8.43; 15.4,5; Romanos 3.10-18; 1Coríntios 1.18; 2.14; 12.3; 2Coríntios 3.14-16; Efésios 2.1-3; 4.17-18, etc. É por causa desse grau de depravação que o homem depende da iniciativa de Deus para ser salvo (Mt 11.27; Jo 1.13; 6.37,44,65; At 16.14).
Conforme dito, os que se insurgem contra a soteriologia reformada sabem que, se a doutrina da depravação total for acolhida, todo o sistema também terá de ser aceito. Por outro lado, se esse ponto for destruído, todo o edifício da soteriologia reformada ruirá.
No meio evangélico, os maiores inimigos da Tulipa são chamados arminianos, uma designação que vem de Jacó Armínio, teólogo que se insurgiu contra alguns elementos da doutrina ensinada pela igreja reformada da Holanda. No Brasil, o arminianismo não reflete com precisão as ideias de Armínio. Na verdade, a maior parte dos arminianos que conhecemos se define assim somente porque não se simpatiza com a doutrina bíblica da eleição. A maioria deles nunca leu nada sobre Armínio, nem jamais compreendeu a totalidade da sua doutrina. O que fazem é apenas adotar o título “arminiano” de forma intuitiva, como se fosse uma palavra que significa “alguém que não acredita na predestinação”.
Isso torna o arminianismo brasileiro uma espécie de pelagianismo (doutrina que prega a salvação à parte da ação graciosa de Deus), mesclado com ideias liberais (como a negação da inerrância bíblica especialmente nas partes em que a Escritura fala do controle absoluto de Deus sobre todas as coisas), marcado por extremado humanismo (a vontade humana é livre e soberana, capaz de gerar fé salvífica) e por um conceito reducionista de Deus (Deus abriu mão de sua soberania por “respeito” ao homem. Muitos arminianos dizem que Deus também abriu mão de sua presciência!).
Se Armínio soubesse o que hoje pregam em nome dele, certamente se reviraria em seu túmulo. Tendo formação calvinista, ele rejeitava frontalmente o pelagianismo pregado hoje em dia sob a capa do seu nome. Prova disso, é que ele aceitava a primeira verdade da Tulipa, a depravação total. Ele cria, assim, que o ser humano, em si mesmo, é alguém totalmente destituído de qualquer capacidade de buscar a Deus. Armínio escreveu em sua Declaração de sentimentos:  
Em seu estado pecaminoso e caído, o homem não é capaz de, e por si mesmo, quer seja pensar, querer ou fazer o que é, de fato, bom; mas é necessário que seja regenerado e renovado em seu intelecto, afeições ou vontade e em todas as suas atribuições, por Deus, em Cristo, através do Espírito Santo, para que seja capaz de corretamente compreender, estimar, considerar, desejar e realizar o que quer que seja verdadeiramente bom.
O problema de Armínio estava na solução que dava para esse problema. Ele propôs um novo conceito da “graça preveniente”, dizendo que, por ela, todo o ser humano (ou toda pessoa que é evangelizada) tem seu livre arbítrio restaurado, podendo então aceitar Cristo por decisão própria, sem a necessidade da graça especial irresistível (quarto ponto da Tulipa). É impossível achar na Bíblia esse conceito de “graça preveniente” ou “graça capacitadora” dada a todo ser humano ou dada a todos que são evangelizados. Aliás, na Bíblia se encontra exatamente o oposto disso, ou seja, Deus endurecendo ainda mais o coração de muitas pessoas para que não creiam (Êx 9.12; Is 6.10; 63.17; Rm 9.18; 11.7 2Ts 2.11).
Bom, em termos práticos quais são os efeitos de se aceitar ou não a doutrina da depravação total? Pessoalmente, eu acredito que isso cause impacto no campo da devoção pessoal, no campo da realização ministerial e no campo da liturgia. Eu explico: no campo da devoção pessoal, o crente que entende a doutrina da depravação total se torna mais humilde e grato por sua salvação, entendendo melhor o quanto Deus foi gracioso com ele. Ele será incapaz de se orgulhar por ter “aceitado a Cristo”, sabendo que era incapaz de qualquer coisa e que, se um dia creu, isso foi graças ao grande poder e graça do Salvador.
No campo da realização ministerial, o ministro terá descanso. Ele saberá que as conversões não dependem de sua retórica ou talento e, por isso, não cansará as pessoas com apelos infindáveis para que “tomem uma decisão”. Também não se orgulhará quando conduzir pessoas a Cristo. Antes, saberá que todos os frutos que vê em seu ministério são obra de Deus e que, considerando a depravação do homem, ninguém daria atenção às suas pregações se o Senhor não atuasse de modo poderoso nos ouvintes.
Finalmente, no campo litúrgico, a igreja que entender a doutrina da depravação total não investirá em projetos de “multiplicação” adotando estratégias de marketing barato (festas, diversão, atrações artísticas) para “conquistar almas”, fazendo de tudo para convencê-las a usar o “livre-arbítrio” e crer. Antes, dará mais valor à pregação e à súplica, sabendo que só pelo poder de Deus a dureza humana pode ser rompida.

A eleição incondicional
Conforme dito anteriormente, as cinco verdades da Tulipa estão interligadas de forma que, se você rejeitar a primeira, terá de rejeitar a segunda, e assim por diante. Pois bem, até o século 18, seria muito difícil encontrar um protestante que negasse o primeiro ponto da fé reformada, ou seja, a depravação total. Todos os reformadores tinham ensinado que o pecado havia afetado gravemente cada faculdade humana e os crentes viam isso claramente nas Escrituras. Consequentemente, a grande maioria dos crentes desde a época da Reforma (século 16) também aceitava a eleição incondicional, pois, se o homem era incapaz de se mover na direção de Deus, então a única saída era Deus tomar a iniciativa e se mover na direção do homem, quebrando seu coração endurecido. Por que Deus fazia isso somente com alguns e não com todos? A resposta estava mais uma vez na Bíblia: Deus tinha seus eleitos!
Ocorreu, porém, que os avanços científicos e tecnológicos dos séculos 18 e 19 criaram um ambiente intensamente otimista em relação ao homem e também fortemente cético em relação aos dogmas da Bíblia. Nesse contexto, várias doutrinas consagradas da fé cristã foram negadas — inclusive por pastores e teólogos (os chamados teólogos liberais). Entre essas, uma que foi totalmente repudiada foi a doutrina do pecado original, a qual destacava a realidade da depravação total. Rejeitando essa doutrina, as igrejas passaram a ver o pecador como alguém capaz de tudo, inclusive de, por si mesmo, produzir a fé salvífica no próprio coração, bastando apenas que decidisse fazê-lo. É claro que, rejeitando a depravação total, os crentes, a partir de então, rejeitaram também a doutrina da eleição, ou a reinterpretaram de forma que preservassem seu conceito positivo do homem.
A partir daí, muitas pessoas viram nas ideias de Armínio uma opção atraente. Seu conceito de um livre-arbítrio resgatado pela “graça preveniente” e suas ideias de uma eleição baseada naquilo que Deus antevê no homem se encaixavam melhor dentro do ambiente humanista que passou a reinar.
É por causa de todo esse processo iniciado no século 18 — um processo racionalista/humanista — que grande parte das igrejas evangélicas de hoje é liberal ou arminiana. Aliás, muitos liberais são também arminianos (são os arminianos da mente, em contraste com os arminianos do coração), dizendo que o homem tem as faculdades livres (ênfase arminiana) e negando a depravação total como uma ideia decorrente do “mito” da Queda (ênfase liberal).
Conforme já foi destacado, sem a doutrina da depravação total, a verdade da eleição incondicional cai por terra. No modelo arminiano, o homem, tendo as faculdades livres dos efeitos do pecado pela ação da “graça preveniente”, é capaz de ele próprio eleger Deus. No fim das contas, a eleição deixa de ser um ato divino em favor do homem e passa a ser um ato humano em favor de Deus! Sem a doutrina da depravação total nasce a doutrina da inversão total!
A verdade, porém, é que não existe nenhuma graça preveniente livrando todas as pessoas das limitações impostas pelo pecado, como Armínio acreditava. O coração humano permanece corrupto e está morto para as coisas de Deus, sendo incapaz de buscá-lo, amá-lo ou desejá-lo. Para que isso mude, é necessária a ação sobrenatural da graça de Deus. E essa graça não atua sobre todos como pensam os arminianos. Atua somente nos eleitos. Estes foram escolhidos sem que Deus visse neles mérito algum (por isso, a eleição é chamada “incondicional”), tudo com base apenas na “determinação e graça” (2Tm 1.9) “daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11).
Essa doutrina tem um vasto fundamento bíblico. Jesus afirmou que tinha um povo disperso que lhe pertencia e que ele reuniria esse povo, chamando cada integrante dele pelo nome (Mt 24.31; Jo 10.3,16; Jo 11.51-52). Ele disse ainda que esses escolhidos eram poucos (Mt 22.14), mas que eles seriam preservados e protegidos do engano (Mt 24.22,24) e que Deus um dia faria justiça a eles (Lc 18.7).
O livro de Atos também fala sobre os eleitos dizendo que Deus tinha pessoas que lhe pertenciam nas cidades gentílicas e que essas pessoas ouviriam a pregação dos apóstolos (At 18.9-10). Em Atos é dito ainda que os que criam no evangelho eram pessoas que tinham sido destinadas para a vida eterna (At 13.48).
Paulo é quem mais escreve sobre a doutrina da eleição (Rm 8.29-30; Ef 1.4-5,11), dizendo que essa doutrina realça a soberania de um Deus que tem autoridade de fazer o que quiser com quem quiser (Rm 9.14-18), não tendo o homem o direito de questionar suas ações (Rm 9.19-21). Paulo diz ainda que é graças à eleição que Deus preserva um remanescente fiel a ele (Rm 11.1-5) e que esses escolhidos não podem ser alvos de nenhuma acusação (Rm 8.33). Segundo o apóstolo, a fé salvadora pertence somente aos eleitos (1Ts 1.4-6; Tt 1.1), sendo certo que Deus incluiu no número de escolhidos muitas pessoas simples a fim de humilhar a ilusória grandeza do mundo e ninguém se gloriar diante dele (1Co 1.27-29. Ver tb. Tg 2.5).
Todas essas evidências tornam inegável a eleição de Deus e os crentes não devem se insurgir contra ela, como faz a corrompida igreja atual. Em vez disso, o cristão deve se curvar em gratidão, sabendo que foi salvo não por ter percepções espirituais melhores, mas porque Deus, sem ver nele atrativo algum, o escolheu soberanamente.
Muitos arminianos tentam se livrar da doutrina da eleição incondicional, afirmando a eleição condicional.Eles dizem que a eleição é uma realidade bíblica, mas que está condicionada à previsão da fé. Trocando em miúdos: Deus elegeu sim, mas ele fez isso porque previu de antemão a fé de alguns. Essa ideia tenta buscar fundamentos na expressão “os que de antemão conheceu”, presente em Romanos 8.29. Essa frase, porém, não significa “aqueles em quem Deus anteviu a fé”, mas sim “aqueles a quem Deus decidiu de antemão mostrar seu favor” (veja o mesmo sentido em Rm 11.2). Note ainda que, de acordo com 1Pedro 1.20, conhecer de antemão não é somente saber o que vai acontecer, mas sim saber o que foi decretado que vai acontecer.
Outro texto que os arminianos usam na defesa da eleição condicional é 1Pedro 1.2, que diz que os crentes foram eleitos “segundo a presciência de Deus”. Contudo, a preposição grega usada nesse versículo (katá) não permite o entendimento de que as pessoas foram eleitas por causa da presciência de Deus, mas sim que Deus, de conformidade com sua presciência, sabia desde o início a quem iria salvar.
Tudo isso realça o antigo princípio paulino de que a eleição teve como causa “aquele que chama” (Rm 9.11) e não aqueles que são chamados, destacando fortemente que o decreto eletivo do Senhor se fundamentou unicamente no “beneplácito de sua vontade” (Ef 1.5,11) e não em virtudes que porventura tenha antevisto em alguns. Isso também destaca a gratuidade completa da eleição, pois mostra que ela não foi uma retribuição pelo bem que Deus supostamente viu de antemão no eleito (o que ele, de fato, anteviu no eleito foi somente pecado e morte) e sim um ato de graça pura, verdadeiro favor imerecido.

A expiação limitada
A verdade da eleição incondicional conduz forçosamente à terceira “pétala” da TulipaA expiação limitada. A pergunta central ligada a esse ponto é a seguinte: se Deus tem seus eleitos, por quem então Cristo morreu? A resposta rápida e certeira é: pelos eleitos, é claro! No entanto, mesmo sendo isso tão óbvio, a terceira verdade da flor é a que mais tem causado divisões e conflitos até mesmo entre os teólogos reformados. Entre estes há muitos que afirmam a expiação ilimitada, posição também conhecida como universalismo hipotético. De acordo com essa concepção, Cristo morreu em benefício e em lugar de todos os indivíduos, mas sua morte só tem eficácia para os eleitos.
Os universalistas hipotéticos (ou calvinistas de quatro pontos) ensinam que Deus decretou que a expiação de Cristo fosse feita em favor de cada ser humano independente de crerem ou não, mas visto que ninguém tinha capacidade de crer (depravação total), Deus escolheu aqueles que iria salvar (eleição incondicional). Assim, a expiação permanece eficiente e suficiente para todos, mas eficaz somente para os eleitos.
O universalismo hipotético ganhou destaque graças ao trabalho de Moisés Amyraut (1596-1664), da Academia de Saumur, na França. Por isso, essa posição teológica é também chamada de amiraldismo ou amiraldianismo.
Ainda que pareça atraente à primeira vista, o calvinismo de quatro pontos esbarra em diversos problemas. Em primeiro lugar, o próprio Jesus disse que daria a sua vida “pelas ovelhas” (Jo 10.11,15). Disse ainda que muitas dessas ovelhas por quem ele morreria estavam espalhadas fora do aprisco de Israel, mas que elas afinal creriam nele e ele as agregaria (Jo 10.16). Depois, voltou-se para os judeus que o afrontavam e disse: “Vós não sois das minhas ovelhas”, excluindo-os desse grupo por quem ele morreria e um dia chamaria para si (Jo 10.26).
Jesus também disse que daria a sua vida em resgate de muitos (Mc 10.45) e, ao instituir a Ceia, repetiu essa verdade, declarando que o sangue da Nova Aliança seria derramado em favor de muitos, limitando o alvo de sua obra (Mt 26.28).
João, em seu evangelho, ao fazer alusão ao objetivo da morte de Cristo, disse que ele morreria para reunir “os filhos de Deus que andam dispersos” (Jo 11.51-52), ou seja, pelo bem de um grupo específico que estava espalhado pelo mundo e que ainda não tinha sido alcançado (Tt 2.14).
Paulo, por sua vez, quando falou aos presbíteros de Éfeso, disse que o sangue de Cristo serviu para comprar a igreja (At 20.28). Quando mais tarde escreveu à mesma igreja de Éfeso, o apóstolo realçou novamente que Cristo se entregou pela igreja (Ef 5.25). O Apocalipse aponta na mesma direção, dizendo que por sua morte Cristo não comprou todo mundo, mas sim certas pessoas espalhadas pelo mundo todo (Ap 5.9).
Outra questão que deve ser levada em conta é que a morte de Cristo teve um efeito retroativo, beneficiando pessoas do Antigo Testamento (AT), ou seja, indivíduos que já haviam morrido, como Abraão, Moisés e Davi, por exemplo (Rm 3.25; Hb 9.15). Assim, se Cristo morreu em lugar de cada ser humano, então ele morreu inclusive por pessoas do AT que já estavam no inferno — gente como Faraó, Jezabel e os inimigos de Daniel. Ora, que sentido haveria em Cristo dar a sua vida pelos pecados de pessoas irremediavelmente perdidas? Morrer pagando pela redenção do profeta Isaías faz sentido, mas morrer em favor dos homens de Sodoma teria algum propósito?
A doutrina da expiação limitada também tem de lidar com certas dificuldades oriundas de algumas passagens bíblicas. Por isso, na próxima seção, vamos dedicar umas poucas linhas para resolver essas questões.
Dificuldades
Os arminianos e os calvinistas de quatro pontos dizem que a doutrina da expiação limitada esbarra em textos bíblicos que dizem que Cristo morreu por todos ou pelo mundo inteiro. Alguns exemplos desses textos (com breves explicações calvinistas) são os seguintes:
2Coríntios 5.15 — Esse versículo diz que Cristo “morreu por todos”, sendo essa a base para o desafio de viver para ele. Os universalistas hipotéticos entendem que aqui a palavra “todos” se aplica a cada ser humano. No entanto, uma leitura mais ampla e atenta revelará que nesse texto o vocábulo “todos” se refere a todos os crentes. Essa palavra aparece também no v.14 (“todos morreram”), onde esse é o único sentido possível.
1Timóteo 2.6 — Nessa passagem, há o registro da frase que diz que Cristo se entregou “como resgate por todos”. Mais uma vez, os oponentes da teologia reformada entendem que aqui é ensinada a expiação ilimitada. Contudo, nessa passagem a palavra “todos” se refere a todos os tipos de pessoas — servos e senhores, ricos e pobres, judeus e gentios, etc. (veja os vv.1-2, onde somente esse sentido é possível).
De fato, a análise do contexto histórico dessa passagem mostra que Paulo estava muito preocupado em quebrar a ideia proposta pelo gnosticismo incipiente da época de que somente uma elite de homens tinha privilégios espirituais (1Tm 1.3-7). Daí sua afirmação de que Cristo morreu por todos os tipos de pessoas, anulando as distinções ensinadas pelos hereges (veja tb. Tt 2.11, onde o sentido é o mesmo. Aliás, logo a seguir, nessa passagem, o v.14 mostra o alvo limitado da expiação).
Hebreus 2.9 — Esse texto afirma que Jesus provou a morte “em favor de todos”. Será que isso comprova a doutrina da expiação ilimitada? É claro que não. Aqui a palavra “todos” se refere a judeus e gentios. Deve ser lembrado que a carta em questão foi escrita para cristãos judeus. Ora, no século 1 havia entre esses crentes a tendência a crer que somente pessoas da nação israelita seriam beneficiadas pela obra do Messias. Os cristãos hebreus não assimilaram de pronto a ideia de que o Cristo tinha vindo em benefício de todos os povos. Por isso, era necessária a afirmação de que o Messias havia morrido por todos (judeus e gentios), no afã de enfraquecer a noção de exclusivismo soteriológico israelita.
Ademais, nesse ponto é preciso lembrar que, na Bíblia, nem sempre é possível que a expressão “todo homem” e similares signifique cada indivíduo que vive no mundo. Veja, por exemplo, João 12.32, 1Coríntios 15.22 e Colossenses 1.28. Em todas essas passagens, as expressões “todos” e “todo homem” têm um sentido limitado. Isso de fato é muito óbvio!
2Pedro 3.9 — Segundo os arminianos, esse versículo ensina que Deus não quer que ninguém pereça. Logo, dizem, não existe eleição incondicional e Cristo só pode ter morrido por todos. No entanto, nessa passagem, Pedro fala do anseio do Senhor em relação aos crentes e não em relação a todos os seres humanos (observe o uso de “convosco”). Ocorre que, naqueles dias, os cristãos estavam se deixando influenciar pelo ensino de falsos mestres (ver 2Pe 2.1-22; 3.16) e isso os levaria a sofrer algum tipo de dano, caso fossem surpreendidos nessa condição por ocasião da vinda do Senhor (1Co 3.13-15; 1Jo 2.28). Por isso, Pedro alerta os cristãos, dizendo que o Senhor tardava sua vinda a fim de que eles se arrependessem, pois não queria que nenhum deles provasse qualquer tipo de castigo paterno (3.14). Aliás, é bom destacar que o termo usado por Pedro e traduzido como “pereça” (ARA) é apóllymi, que não implica necessariamente perdição eterna, mas qualquer forma de ruína, perda, dano ou prejuízo (veja Rm 14.15).
Além desses textos, existem aqueles que pertencem aos escritos joaninos (Evangelho de João; 1,2,3 João e Apocalipse). Nesses livros, os versículos mais citados contra a expiação limitada são João 3.16 e 1João 2.2. Os arminianos e os calvinistas de quatro pontos entendem que, nesses dois trechos, a palavra “mundo” significa cada ser humano que há na Terra e acreditam, com isso, derrubar a terceira pétala da Tulipa.
Contudo, nos escritos joaninos há vários textos que provam que o vocábulo “mundo” nem sempre (talvez nunca) pode significar cada indivíduo do planeta. Veja, por exemplo João 1.29; 6.33 e 16.8. Se nesses trechos o termo “mundo” abranger cada pessoa, então cairemos no universalismo, afirmando que todos os homens estão salvos, o que é um grande desvio doutrinário. Considere ainda 1João 5.19. Note que nessa passagem, o termo “mundo inteiro” está restrito em sua aplicação apenas aos incrédulos, sendo excluídos os salvos.
Como, então, deve ser interpretada a palavra “mundo” em João 3.16 e 1João 2.2? Nos escritos joaninos só existe um versículo que revela como o termo “mundo” deve ser entendido em textos como esses. Trata-se de Apocalipse 5.9. Esse é o único texto que mostra o que João tinha em mente quando dizia que Deus amou o mundo ou que Cristo é a propiciação pelos pecados do mundo. De fato, Apocalipse 5.9 indica que quando João falava assim, ele não pensava em cada indivíduo que vive aqui, mas sim em homens espalhados por “toda tribo, povo, língua e nação”.
Assim, quando a boa teologia afirma que Cristo se entregou pelo mundo, isso significa que ele morreu por homens que vivem no mundo todo e não por todos os homens que vivem no mundo. Percebeu a diferença? Foi por isso que Jesus disse que derramou o seu sangue em favor de “muitos” (e não todos — Mc 10.45; 14.24).

A graça irresistível
De todas as pétalas da Tulipa, essa é a que eu acho a mais notável e bonita. Trata-se do ponto da teologia reformada que mais mexe com a nossa memória, fazendo-nos lembrar daquele dia maravilhoso em que o Senhor nos chamou doce e mansamente pelo nosso próprio nome e, rompendo a dureza do nosso coração, nos atraiu para si (Jo 10.2-3).
Mesmo, porém, envolvendo realidades tão ricas e belas, a quarta pétala da nossa flor não fica livre dos ataques da teologia humanista que reina no meio evangélico. Por isso, antes de tudo, é preciso destacar o que a graça irresistível não é.
Em primeiro lugar, a graça irresistível não é uma violência contra a personalidade ou, mais especificamente, contra a vontade humana (já vi arminianos dizendo que a doutrina da graça irresistível ensina uma forma de estupro espiritual)! Outros dizem que ela transforma os salvos em marionetes. Para mim, essas afirmações beiram a blasfêmia). É claro que Deus não tem obrigação nenhuma de “respeitar” a vontade humana e ele, muitas vezes sendo o Senhor soberano, a “atropela” (os arminianos usam esse termo para criticar os calvinistas), sem que isso em nada diminua ou destrate a grandeza de seu caráter (veja, por exemplo, a história de Jonas, em que a vontade do profeta de ir para Társis foi “atropelada” por Deus. Veja tb. Is 43.13 e Dn 4.35).
Na maior parte das vezes, porém, não é assim que age a graça irresistível. Essa graça, constantemente, atua por meio do convencimento lento e paciente, algo que se processa frequentemente ao longo de anos — anos em que o Senhor busca o seu eleito em diferentes ocasiões, fala com ele aos poucos (por muitas e variadas formas), trabalha lentamente em seu coração e o persuade, enfim, a segui-lo.
Obviamente, há casos em que Deus age com vigor maior (veja como foi com Paulo, em At 9.3-5), mas mesmo nessas ocasiões, o Senhor atua na vontade humana, fazendo com que a pessoa creia nele e queira segui-lo. O fato é que ninguém se torna discípulo de Jesus “pela orelha”. Todas as suas ovelhas quiseram e querem segui-lo. A questão não é essa. A questão é como, estando espiritualmente mortas (depravação total), essas pessoas desejaram um dia segui-lo. E a resposta é simples: a graça irresistível de Deus atuou nelas.
Em segundo lugar, a graça irresistível não é do tipo que nunca é resistida. Já vi arminianos dizerem absurdos do tipo: “Eu não creio na doutrina da graça irresistível porque eu mesmo resisti muito tempo antes de crer”. A pessoa que diz isso prova o que todos os calvinistas já sabem sobre o arminianismo moderno: é um modelo que critica o calvinismo sem saber o que ele ensina. Na verdade, a teologia reformada jamais negou que a graça salvadora de Deus pode ser resistida. O que o modelo reformado diz é que essa graça não pode ser resistida para sempre. Veja o exemplo de Paulo. O Senhor lhe disse: “Duro é para ti recalcitrar contra os aguilhões” (At 26.14). Essa frase talvez indique que Paulo estava sendo incomodado por Jesus já havia algum tempo, mas se recusava a se curvar. No fim, porém, o Senhor o derrubou (literalmente!) e a graça se mostrou então não somente salvadora, mas também vencedora.
Outras histórias além da de Paulo provam que a graça irresistível pode ser resistida por algum tempo, mas sai vitoriosa ao final, convencendo, humilhando, quebrantando e fazendo o indivíduo desejar o Salvador. Entre essas histórias, talvez  possa acrescentar a sua própria, lembrando a forma especial, amorosa e paciente com que o Senhor, talvez ao longo de um lento processo, o buscou e o convenceu a segui-lo de todo o coração.
Tendo mostrado um pouco do que a graça irresistível não é, vamos agora ver o que ela é. Essa graça, quando em operação, é também denominada “chamado eficaz”, pois trata-se de uma vocação divina para a fé que, conforme vimos, no fim sempre sai vitoriosa. O chamado eficaz é diferente do chamado geral. Este é dirigido a todos os que ouvem o evangelho, enquanto aquele só é dirigido aos eleitos.
Por exemplo: veja o caso de Lídia, em Atos 16.13-14. Enquanto escutavam a pregação dos apóstolos, todas as mulheres ali ouviram o chamado geral (o convite dos pregadores a crer no evangelho), mas somente Lídia ouviu o chamado eficaz (o Senhor lhe abriu o coração). Note a diferença: o primeiro chamado (o geral) alcançou todas; já o segundo (o chamado eficaz) só alcançou Lídia. Outro exemplo pode ser visto em Atos 13.46-48. Esse texto mostra que Paulo e Barnabé começaram a pregar para todos os gentios (chamado geral), mas creram somente os que haviam sido designados para a vida eterna (graça especial ou chamado eficaz). Foi por causa dessas realidades que Jesus disse em Mateus 22.14 que muitos são chamados (ouvindo o convite geral do evangelho), mas poucos são escolhidos (para atender o chamado de Deus). Esses “escolhidos” são aqueles que a eleição divina separou, de maneira que Deus atua neles de forma especial, conduzindo-os à fé.
Outros textos bíblicos que falam da graça irresistível são os seguintes:
João 6.37 — Nessa passagem, Jesus diz que aqueles que o Pai lhe dá irão até ele. Isso mostra que só podem ir a Cristo as pessoas que são sobrenaturalmente dirigidas pelo Pai. Ninguém pode ir por si mesmo, sem que Deus o capacite (veja os vv. 44 e 65). É a essa condução e capacitação de Deus que chamamos de graça irresistível.
João 10.16 — Esse versículo mostra que Jesus tem seus escolhidos espalhados pelo mundo e que, no tempo devido, ele os chama individualmente (veja os vv.2-3). Quando isso acontece, essas pessoas ouvem a sua voz e o seguem numa nova vida de comunhão e conhecimento de Deus (veja Mt 11.27).
Romanos 8.30 — Aqui Paulo diz que aqueles que Deus predestinou, a estes também chamou, justificando-os a seguir. Obviamente, trata-se de um chamado especial, dirigido somente aos que Deus predestinou. O chamado de que se trata nessa passagem é eficaz, pois é seguido pela justificação.
1Coríntios 1.26-29 — É clara aqui a alusão que Paulo faz à vocação especial de Deus. Ele estimula os coríntios a aprender algo sobre essa vocação observando os crentes em geral (os que “Deus escolheu”, vv.27-28). Ele afirma que Deus chamou de forma eficaz um número grande de “fracos”. Em contrapartida, essa chamada eficaz atuou num número pequeno de “poderosos”. O apóstolo ensina que a vocação salvífica foi administrada dessa forma para que a sabedoria do mundo fosse humilhada e ninguém se orgulhasse achando que foi salvo por algum mérito pessoal (veja Mt 11.25-26).
A doutrina da graça irresistível torna a flor reformada ainda mais linda, gerando humildade e gratidão no homem salvo, pois este saberá que creu não por ser mais inteligente ou apto, mas porque Deus agiu de modo sobrenatural em seu coração. E mais do que isso: essa doutrina remove também do “ganhador de almas” toda a base para o orgulho, mostrando a ele que, caso tenha algum sucesso em sua obra evangelística, isso será fruto da graça irresistível e do chamado eficaz de Deus, nunca dos seus talentos ou habilidades pessoais. Assim, o evangelista reformado dirá como Paulo: “Eu plantei, Apolo regou; mas Deus deu o crescimento. Por isso, nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento” (1Co 3.6-7).

A perseverança dos santos
Chegamos ao último ponto da soteriologia reformada. Aqui, os oponentes do calvinismo se dividem. Muitos (especialmente entre os batistas) rejeitam os demais pontos, mas adotam esse. Outros rejeitam esse também (por exemplo, os assembleianos), dizendo que o crente tem de tomar muito cuidado para não perder a salvação. No cômputo geral, porém, a maioria dos arminianos acredita que o crente pode sim perder a condição de filho de Deus e herdeiro do céu.
Armínio nunca foi contra a doutrina da perseverança dos santos. Na verdade, ele disse apenas que acerca desse assunto era necessária uma reflexão maior. Assim, os que negam essa doutrina são os arminianos posteriores, que tendem muito mais a centralizar no homem a responsabilidade por sua salvação.
A doutrina da perseverança dos santos é também chamada de doutrina da “preservação” dos santos e afirma que aqueles a quem Deus escolheu desde a eternidade e chamou de forma irresistível, ele também guarda da queda absoluta, sendo impossível que percam a salvação. Trata-se de um ensino que realça a segurança eterna dos salvos e fornece o fundamento teológico para a famosa fórmula: “Uma vez salvo, salvo para sempre”.
As bases bíblicas para a doutrina da perseverança dos santos são as seguintes:
João 6.39  Essa passagem afirma que a vontade do Pai é que Jesus não perca nenhuma pessoa que ele lhe entregou. Jesus garante que realizará essa vontade, ressuscitando no último dia todos aqueles que o Pai lhe deu e que, assim, creram nele (veja tb. o vv.40 e 44).
João 10.27-29  Nesse texto, Jesus afirma que dá a vida eterna às suas ovelhas e que elas não podem perecer. Ele diz ainda que suas ovelhas estão em suas mãos e nas mãos do Pai, sendo que nada pode arrebatá-las dessas mãos.
Romanos 8.29-30,33-35,38-39 — Esses versículos indicam que aqueles que Deus predestinou serão fatalmente glorificados. Também destacam que os eleitos do Senhor estão acima de qualquer acusação e que absolutamente nada no universo visível e invisível pode separar essas pessoas do amor de Deus.
1Coríntios 3.15 — Esse texto ensina que, no dia do Tribunal de Cristo, até mesmo os crentes que o serviram mal serão salvos, deixando apenas de receber galardão.
1Coríntios 5.1-5 — Aqui Paulo fala de um crente que fornicava com a mulher do seu próprio pai. O apóstolo diz que esse homem devia ser expulso da igreja e afirma que, mesmo assim, ele seria salvo no dia do Senhor.
Efésios 1.13-14 — Nessa passagem, Paulo fala que os crentes foram selados com o Espírito Santo da promessa e que esse selo é a garantia da sua herança até o dia da redenção (Ef 4.30).
1Coríntios 1.7-8, Filipenses 1.6, 1Tessalonicenses 5.23-24, 1Pedro 1.5; 5.10 e Judas 24-25 — Todos esses textos ensinam que é o próprio Deus quem firma o crente e o preserva em fidelidade até o último dia, sendo a perseverança dos santos uma obra dele operada em seus eleitos.
Mesmo diante de textos tão claros, os arminianos atacam ferozmente a doutrina da segurança eterna dos salvos. Geralmente, eles fazem isso alegando que esse ensino estimula o pecado e a lassidão espiritual. Segundo os arminianos, o crente que acreditar que a salvação não pode ser perdida, não terá temor de Deus e viverá fazendo o que bem entende, sob a falsa segurança de que, de um modo ou de outro, irá para o céu.
Essas alegações, porém, decorrem da ideia nutrida pelos arminianos de que a fé salvadora é uma mera reação humana ao evangelho. Sabe-se, contudo, que, conforme já visto, a fé que salva é uma obra sobrenatural na vida daqueles que Deus escolheu. Essa fé sobrenatural é poderosamente transformadora e santificadora, sendo impossível que aquele que a tem viva continuamente no pecado, se revolvendo alegre na podridão deste mundo (1Jo 2.4,19). Decididamente, os que atacam a doutrina da perseverança dos santos com essas alegações não compreenderam o caráter transformador e renovador da fé salvífica (1Jo 5.4-5).
Os inimigos da preservação eterna dos santos também tentam basear suas ideias em alguns textos bíblicos. Na próxima seção, vamos analisar brevemente esses textos.
Dificuldades
Num cenário evangélico dominado por uma forma de arminianismo rasa e ingênua, é natural que existam ataques à doutrina da preservação dos santos. Muitas vezes, esses ataques buscam fundamento em textos bíblicos. A seguir são alistados alguns desses textos, com breves comentários que mostram quão distantes estão de ensinar a perda da salvação.
Mateus 10.22; 24.13 (em paralelo com Ap 2.26) — Esses versículos dizem que “quem perseverar até o fim será salvo”. Isso faz com que alguns entendam que a salvação é pela fé somada à firmeza e afirmam que crer em Cristo não basta, sendo preciso também ficar firme em meio às provas. Contudo, o próprio Mestre disse que é impossível que os escolhidos abdiquem de sua fé, mesmo nos tempos mais difíceis (Mt 24.24). Portanto, o que esses versículos realmente significam é que existe uma fé falsa que, não tendo origem divina, é sem resistência e cedo desaparece, tão logo surjam as provas. Na Parábola do semeador, Jesus falou dessa fé ilusória e passageira e a contrastou com a fé real e perene dos crentes (Mt 13.1-23). Assim, quando Jesus disse que quem perseverar até o fim será salvo, seu objetivo não era ensinar a perda da salvação ou a salvação pela fé somada à perseverança. Antes, seu propósito era declarar que os crentes verdadeiros são aqueles cuja fé é do tipo que perdura, haja o que houver (Hb 3.14). Os que não têm essa fé durável não serão salvos, pois uma fé assim não é a fé salvadora que Deus concede aos seus eleitos.
Romanos 11.17-22 — Nesse texto, Paulo usa uma analogia, dizendo que os crentes são ramos que foram enxertados na “oliveira” de Deus. Então, ele adverte esses “ramos” acerca do perigo de serem cortados. Muitos entendem que aqui Paulo alerta sobre o risco de alguém perder a salvação. Na analogia de Paulo, porém, ser parte da oliveira não significa unicamente ser salvo. Note-se que quando ele fala dos ramos naturais que foram cortados (v.17), não se refere a judeus que tinham sido salvos e que depois caíram dessa posição. Antes, fala de judeus que desfrutavam das bênçãos dirigidas a Israel, mas que nunca tinham experimentado o novo nascimento. Isso também podia acontecer com alguns gentios ligados à igreja de Roma. Eles podiam se beneficiar das bênçãos do evangelho e depois serem cortados do desfrute dessa “seiva” por não terem uma fé perseverante. Na verdade, isso é muito comum de se ver nas igrejas.
Gálatas 5.4 — Nessa passagem, o desligar-se de Cristo e o cair da graça podem dar a entender que isso se aplica a pessoas que estavam ligadas a Cristo e firmadas na graça, tendo depois perdido essa condição. No entanto, essa passagem se dirige a pessoas que procuravam “ser justificadas pela Lei”, ou seja, a incrédulos judaizantes infiltrados nas igrejas da Galácia — pessoas a quem Paulo chama de “falsos irmãos” (2.4). Os termos usados nesse texto mostram que essas pessoas, na busca da justificação pelas obras, haviam se afastado de Cristo e se autoexilado longe dos domínios da graça.
Hebreus 6.4-8 — Ao contrário do que os arminianos dizem, esse texto não fala de crentes, mas sim de incrédulos que durante um longo tempo se envolveram com as coisas do Reino, participando de suas bênçãos e testemunhando seu poder, mas que, depois disso tudo, produziram somente coisas más. A ilustração dos vv.7-8 mostra que o texto fala de pessoas sobre quem a “chuva” do Espírito caiu “frequentemente” e que, mesmo assim, produziram “espinhos e ervas daninhas”. Trata-se, portanto, aqui, de um incrédulo diferente, que ouviu, provou e testemunhou por anos a fio o poder do Espírito Santo, virando-lhe, afinal, as costas e mergulhando no mal. O v.6 diz que é “impossível” que esse tipo de incrédulo seja restaurado — algo que não se aplica no caso de desvio de crentes, conforme mostram a Bíblia e a experiência comum.
Hebreus 10.26-31 — Muitos entendem que a palavra "fogo" presente nesse texto se refere ao inferno e à perdição eterna que pode alcançar crentes que pecam deliberadamente. No entanto, a palavra fogo deve ser entendida aqui como um castigo presente, aplicado neste mundo. O v.28 mostra que é esse tipo de castigo que o autor tem em mente. Veja esse sentido também em 1Pedro 4.12.
Os inimigos da doutrina da perseverança dos santos não devem apenas rever a hermenêutica desses textos, mas também lidar com questões difíceis. Por exemplo: se alguém perder a salvação, como pode obtê-la novamente? A resposta a essa pergunta geralmente envolve alguma obra Iigada ao abandono do pecado. Assim, o que o crente deve fazer para restaurar sua comunhão com Deus, se torna uma obra pessoal para restaurar sua salvação diante de Deus. No final das contas, a “segunda salvação” acaba sendo pela fé somada a uma medida que a pessoa toma para ser readmitida na igreja.
Outro problema diz respeito à segurança e à paz interior do crente. Se a salvação pode nos escorrer por entre os dedos, quando poderemos, de fato, descansar na redenção que há em Cristo? Quando poderemos saber que tudo está realmente “OK” entre nós e Deus? Ora, todos nós pecamos todos os dias! Como podemos saber se “ainda” estamos salvos? Sim, pois se a salvação se perde por causa do pecado pessoal do crente, quantos pecados bastariam para perdermos nossa herança? Um seria suficiente? Ou seriam necessários dez? E quanto tempo teríamos de permanecer nesses pecados para deixarmos de ser filhos de Deus? Um dia, um mês, um ano? E mais: quais pecados seriam mais eficazes em fazer com que percamos a salvação? Seria necessário adulterar, roubar e matar ou uma fofoca é suficiente para que sejamos condenados novamente ao inferno? Precisamos saber essas coisas para não ultrapassar os limites!
Ora, uma vida vivida nesse suspense está muito longe daquela realidade de paz, descanso e segurança que a Bíblia promete aos crentes em Jesus (Jo 14.1-3; Rm 5.1-2; 2Tm 1.12; 4.8).

Conclusão
Eis aí as cinco tocantes verdades da Tulipa. São verdades que serão acolhidas por todos os que colocam as Escrituras acima das percepções e juízos pessoais; verdades que geram assombro e que, com frequência, levantam questões muitas vezes sem resposta; verdades que os servos de Deus aceitam pela fé, mesmo sem entendê-las plenamente, sabendo que a mente de Deus está muito acima da deles (Rm 11.33-36).
Além de sua grandeza e dos mistérios que encerram, o que mais torna essas verdades bíblicas tão importantes? Em outras palavras: por que lutar tanto por elas? Que diferença fazem, afinal? A resposta a essas questões não é difícil e partes dela já foram mencionadas ao longo desta exposição. De fato, conforme destacado anteriormente, as cinco verdades da flor produzem certos efeitos piedosos, tais como gratidão (pela salvação concedida sem mérito algum), humildade (por saber que em nós, antes de sermos alcançados, só havia depravação) e dependência (decorrente da certeza de que só por causa da ação dele é que somos salvos e nos mantemos em seus caminhos). Ora, gratidão, humildade e dependência são os três maiores pilares da espiritualidade cristã e nada fortalece mais essas colunas do que as tocantes verdades da flor.
Efeitos práticos também decorrem da Tulipa. Eu já os mencionei em parte na primeira seção deste texto, mas quero frisá-los novamente nesta conclusão. Notem: o servo de Cristo que adota a Tulipa abandonará as técnicas humanas de convencimento no trabalho evangelístico; deixará de perder tempo com os insistentes apelos à conversão que enfastiam os crentes ao final de cada sermão de domingo à noite; dará ênfase à pregação da Palavra e à oração como instrumentos do Espírito para a atração dos perdidos em vez do marketing secular e da promoção de eventos na igreja; não se sentirá frustrado nem com seu valor pessoal ameaçado quando pregar e ninguém se converter, pois saberá que isso depende exclusivamente da ação de Deus e não das “habilidades” do pregador; e jamais se sentirá orgulhoso quando conduzir pessoas a Cristo, sabendo que, se isso ocorrer, a causa estará em Deus somente e não em suas aptidões ou preparo.
É assim (entre outras coisas) que os cinco pontos do calvinismo edificam e protegem os crentes, os ministros e as igrejas. Com base neles é que se constrói uma vida de serviço vibrante e realizador a Cristo, além de uma comunidade de fé madura que compreende a dimensão infinita da graça salvadora e, dessa forma, se sente verdadeiramente alegre e grata por sua redenção.

- Soli Deo gloria